19 - Um Milhão de Sonhos

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Alexei havia acabado de acordar e já estava pronto para dormir novamente. Era finzinho de tarde de quinta ou sexta, não sabia exatamente, havia perdido a noção dos dias há algum tempo. Sentia como se estivesse mergulhado numa piscina escura como a noite, que limitava seus sentidos e lhe fazia sentir nada além de um grande vazio inexplicável – e, claro, o ódio que construía sobre si mesmo, que, por mais apático que a depressão o tornasse, não desaparecia nunca.

Estava sozinho, o que era novidade, visto que os amigos pareciam frequentemente revezar companhia consigo. Ficavam falando e falando por longos minutos, em monólogos frequentes e sem sentido. Foram raras as vezes em que Alexei deu o ar de sua voz, muitas vezes falando só o mínimo ou esboçando reações como "me deixa dormir" ou "por que eu tenho que ser assim?". Alex havia estado mais consigo mesmo que com qualquer pessoa do mundo exterior. Independentemente de quantas visitas ele tivesse, sua auto companhia era tudo que preenchia seus dias. Acabou por se questionar se haviam mesmo passado dias, ou se tudo não era ilusão de uma mente que apenas havia vivenciado algumas horas... ou tenebrosos meses. Não soube discernir. Estava tudo tão confuso.

As lembranças eram tão ligeiras que mal podiam dizer "oi" antes de serem expulsas de seus pensamentos enevoados pela escuridão daquele sentimento poderoso. Não tinha fome, não tinha sede, não queria amar... Só queria que todos fossem embora e vivessem longe de si... Pois o ódio que cultivava por si mesmo ainda era maior que qualquer coisa... E lhe fazia sentir que a vida de todos seria muito melhor sem a sua presença. Sequer pensou em Ignácio Cruz ou Roman Medina, muito menos na irmã e em Nimbus... Não queria fazer bolos. E isso sim era preocupante. A confeitaria foi tudo que sobrou para Alexei se adaptar a uma nova realidade, se inserir novamente na sociedade e deixar para trás toda raiva e se tornar a melhor versão de si mesmo... Fazer bolos era como uma terapia de Versa, só que sem muitas palavras e com muito mais açúcar. Ah! O doce sabor do açúcar... Alexei tinha saudades disso, mesmo tendo certeza que não sentiria nenhum sabor além do amargo.

Ouviu uma voz pelo apartamento. Não era Teresa, nem Ramona e muito menos Edric. Franziu a testa, confuso, e reuniu as poucas forças que lhe restavam para se arrastar para fora da cama e espreitar pela fresta da porta: era Oliver, o novo vampiro transformado por acidente. Parecia exageradamente irritado, discutindo com alguém pelo telefone... Enquanto fumava, numa pose estranha para o mesmo vampiro de outrora, doce, carismático e estranhamente querido. Parecia outra pessoa... E isso era realmente estranho.

Em todo caso não pôde observar por muito tempo. Sentiu seus ombros pesarem como se erguesse elefantes, caiu sobre os próprios pés e se envolveu na manta grossa e delicada, feita de desenhos de gatinhos, sobre o tapete felpudo do próprio quarto, enquanto se aconchegava na própria tristeza, para poder voltar a dormir...

Ramona e Alexei

Acordou com cheiro de açúcar queimado. Estava, relativamente, menos fraco naquela manhã, sabe-se lá o dia. Alexei, ainda envolto na manta de gatinhos, caminhou, meio encarquilhado, para a cozinha do apartamento, encontrando Ramona se aventurando na tentativa de fazer alguma coisa doce. A irmã segurava um livro de receitas com uma mão e uma colher de pau com a outra, enquanto o fogão ardia sob uma panela rasa de aço prateado, com açúcar estalando sobre o ferro ardente.

− O que você tá fazendo? – Alexei questionou, confuso. Ramona se assustou com sua presença e quase derrubou o livro no chão.

− Ah, você acordou! Que bom! – ela afirmou, contente, envolvendo o irmão num abraço exageradamente doce – Eu tava tentando fazer... Hum... Bem – ela desviou o olhar para a página do livro, curiosa – Creme brulee – respondeu. Alexei riu, num tom meio entristecido.

Tô Nem Aí (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora