Epílogo - Mel, Açúcar e Chocolate

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Já tinham se passado dois ou três meses desde a passeata pelos direitos dos vampiros a uma sociedade livre de preconceitos, que tomou proporções inimagináveis até pelo mais otimista dos escritores, sendo capa de revistas, manchetes em jornais e ficando nos tópicos mais populares do twitter por dias. Se estima que, aproximadamente, dez mil pessoas se juntaram no evento que havia surgido como uma faísca leve e moderada para trazer esperança e amor para um coraçãozinho açucarado de um vampiro confeiteiro.

Alexei havia ficado parecido com uma bala de menta com os novos cabelos azulados, Ramona vinha repetindo aquilo haviam dias.

O dia a dia na confeitaria havia voltado ao normal, no fim... Se bem que normal nunca havia sido. Ignácio e Roman eram caras frequentes na cozinha, aprendendo a fazer doces e bolos, trocando beijinhos entre si e com o amado, e, muitas vezes, fazendo coisas que é melhor não descrever por ainda ser um livro livre para menores de dezoito – felizmente, só quando a confeitaria estava vazia.

Alexei nunca mais se permitiu parar novamente, se prender ou sentir o tédio dar o ar de sua graça, para que assim não tivesse que se encontrar com o temido fantasma do passado, batendo a sua porta e corrompendo suas lembranças. Voltou a fazer sessões mais frequentes com Versa, tanto por conta da depressão, – que ainda precisava ser tratada, com medicamentos e muita terapia – quanto para fofocar e também para saber das nuances da saúde de sua terapeuta, que havia, finalmente, aceitado fazer seu tratamento contra o câncer no pulmão que vinha atormentando seus dias, amparada pelos novos amigos que fez e pelo amado Elliot.

Dominic havia aceitado vender o imóvel que havia comprado com o dinheiro que roubou dos dois, por um preço mais baixo, como haviam combinado na audiência de conciliação. Tinha terminado com Kol e estava meio sozinho no mundo, vítima da própria solidão devastadora de sempre. Alexei, compadecido, resolveu fazer as pazes com ele de uma vez e o convidou para serem amigos, esquecendo tudo de ruim que o passado dos dois lhe trouxe e focando apenas nas partes boas, como quando o amor de Domi o livrou da pior face de si mesmo. A confeitaria estava prestes a ser expandida, finalmente, faltando apenas algumas obras para abrir a área de produção e distribuição no local da antiga padaria sonhos de mel.

Ramona havia fincado raízes no apartamento e na vida de Alexei para nunca mais sair, encontrando, aos poucos, a própria felicidade, de namorico com uma amiga de Vivi Jeong, Savine Laurent. Edric também era cara frequente no bairro, todos os dias, sempre preocupado e atencioso com Tori, que, infelizmente, continuava em coma, mas tinha esperanças distantes de uma possível melhora, graças a um novo tratamento vindo da Ásia que vinha ganhando destaque mundial de cirurgias vampiras. Ele e Roman haviam se tornado quase como irmãos... E, o amado, começou a ver Victoria com um olhar mais fraternal que amoroso, guardando todo amor para Alexei.

Ignácio Cruz havia enfrentado seus medos e se assumido de completo para a mãe, que se limitou e chacoalhar a cabeça e mandar ele sair da frente da televisão, pois estava assistindo Maria do Bairro. Dona Consuela, algum tempo depois, confirmou que sabia da sexualidade do filho há anos, mas que não ligava. Amor é amor, no fim.

Teresa havia conseguido despachar Ellen Guttenberg de volta para a cidade natal de David, ganhando algum tempo e alguma liberdade pra planejar seu casamento longe das garras da sogra víbora.

E Alexei nunca havia estado tão feliz e tão completo como naqueles dias.

Farinha, chocolate, ovos, leite, fermento, raspas de limão siciliano, açúcar, algumas gotinhas de mel e a mistura estava pronta para o forno. Alexei despejou a massa numa forma de metal com formado de coração, sentiu o cheirinho doce, sorriu e levou ao forno já pré-aquecido.

Usava seu icônico e emblemático avental de gatinhos. Estava em casa, sozinho, contemplando todos os seus últimos dias, todas as suas aventuras, desventuras, paixões, medos, amores, mudanças e inseguranças, enquanto fazia a maior loucura possível: um bolo sem receita.

Viver, meu caro, como se você não estivesse preso a nada... Sentir sua liberdade fluir. Esse é o maior ato de loucura que você pode fazer. É como, não sei, fazer um bolo sem precisar seguir a receita, ter todo o prazer de fazer à sua maneira, a sua vontade... A sua imagem e perfeição.

− Eu acho que finalmente estou vivendo de verdade, por mim – afirmou para si mesmo, assistindo todas as lembranças colorirem seus pensamentos numa aquarela de cores vivas, felizes e cheias de bons sentimentos. Sorrir era ato involuntário: seu sorriso canônico, poderoso, divino e repleto de energias revitalizadoras. Alexei vivia... O que era uma ironia, visto que, no começo de tudo, achou que estava prestes a morrer. Ele nunca havia se sentido tão imortal quanto naqueles dias... uma sensação que ele ainda desconhecia: a da eternidade. Havia passado por tanto percalço, tanta dor, que se sentir eterno era efêmero e inconstante, até meio falso, mas, finalmente... se sentir eterno era a maior das dádivas... para poder, finalmente, contemplar sua própria grandeza, sua própria auto suficiência, seu próprio amor, e saber que existia um futuro para si... E que o destino, provavelmente, estava conspirando naquele instante para que tudo desse certo... Ainda que por linhas tortas.

− Que cheiro bom – Ignácio entrou, se aproximando de Alexei e dando um beijão em sua boca, completamente apaixonado – Bolo de que? – questionou.

− Ainda não sei, exatamente – Alexei afirmou, sorridente, observando Roman também entrando.

− Oi lindos – Roman disse, se aproximando dos namorados e dando um beijinho em cada um, com seu jeitinho fofo de sempre. – Fazendo bolo, é?

Alexei podia emoldurar aquele momento para sempre em suas memórias mais importantes: estar junto dos dois caras que ele amava, sem se preocupar em amar um e ignorar o outro, e saber que eles também estavam aprendendo a se gostar... Saber que o amor deles não limitaria, jamais, o seu ser... Saber que eles não seriam carcereiros de sua felicidade, mas sim os maiores abolicionistas.

− Eu amo vocês – Alexei disse, de maneira inesperada. Roman e Ignácio se entreolharam, sorriram e encaram Alexei.

− Nós também te amamos – afirmaram em uníssono, com seus clássicos olhares de paixão verdadeira e significativa. Ambos se levantaram, sorriram e envolveram Alexei num abraço forte, apertado e caloroso. O vampiro e seus amados. Não podia ter um fim melhor para essa história. Ele estava completo consigo mesmo, mas ter dois bonitões junto de si ajudava um pouco.

O forno apitou, fazendo Alexei se questionar por quanto tempo ficou divagando. O cheiro de bolo era maravilhoso e deixava os corações quentinhos e os estômagos roncando.

− Acho que vou chamar esse bolo de "Tô Nem Aí", o que acham? – Alexei questionou, já tirando o bolo da forma e colocando sobre uma bandeja, possibilitando que ele cobrisse tudo de glacê rosado e jogasse algumas amêndoas por cima.

− Por que esse nome? – Roman questionou sorridente, observando o trabalhar delicado e apaixonado de Alexei.

− Eu gostei – Ignácio interveio.

− Não sei... – respondeu meio confuso – Acho que ele é especial, sabe, tem tudo que me deixa feliz dentro dele... Bem, tudo não, porque não poderia colocar todos os meus amigos e vocês lá dentro – afirmou com um risinho amistoso – Mas... bem... – suspirou – É o bolo que surgiu quando finalmente percebi o que era ser feliz. De verdade.

Ignácio e Roman sorriram. Alexei fez menção a chorar, emocionado, mas, em vez disso, pegou uma espátula e começou a partir os pedaços do bolo e entregar para os dois amados, enquanto beijava cada um e fazia com que eles se beijassem entre si.

− Essa sim é a verdadeira eternidade.

E chovia lá fora. Lágrimas e chuva... E o tempo, a eternidade, a vida, o açúcar, o chocolate, o mel. As horas passavam, o tempo corria, a vida continuava... E tudo seria eterno...

Fim.

Tô Nem Aí (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora