20 - Tô Nem Aí

137 8 7
                                    

Uma vez uma senhorinha meio bruxa romena, talvez seu nome fosse Anika ou Drismelza, me disse que não havia nada de errado em buscar a própria felicidade, antes de se preocupar com qualquer outro sentimento, pois só uma emoção maior pode superar uma emoção poderosa. Nunca compreendi exatamente a última estrofe daquelas palavras tão marcadas pela voz esganiçada de anos de experiência.

Talvez, pela inconstância dos anos que se passaram, sob a sombra fatal e avassaladora do impiedoso Açougueiro de Mônaco, e, mais tarde, preso a guarda obsessiva de Dominic, eu nunca havia percebido, de fato, como aquelas palavras resguardavam poder e esclarecimento sobre tudo na minha vida. Eu vivi sempre colocando minha felicidade abaixo de tudo que surgia na minha vida e isso trouxe consequências desgastantes, como uma grave crise emocional e de autoestima, bem como uma falta de confiança gritante e, provavelmente, uma dor na lombar que não ia sarar nem se fosse um vampiro típico dos filmes americanos, que se curam de absolutamente tudo – que inveja.

Anika, ou Drismelza, me deu de presente, também, um colar que poderia, misteriosamente, controlar o tempo e realizar os desejos mais íntimos do meu subconsciente. Todavia, o perdi no primeiro dia de viagem pela Europa, quando fomos a Sevilha. Ramona achou curioso o fato de que o medalhão havia retornado a seu país de origem e de lá não queria sair. Foi aí que comecei a enxergar o destino como algo além daquilo que a gente consegue imaginar, além das coincidências do momento. Não. O destino era algo maior, mais poderoso e que gosta de ser sádico, às vezes, convenhamos. O destino me fez viver tudo, me colocou no fundo do poço – você ainda me paga por isso destino – e me tirou de lá, me fez viajar, conhecer o mundo, conhecer homens, mulheres, fazer amizades, inimizades, abrir uma confeitaria e entrar numa crise de identidade, tudo para que eu, finalmente, pudesse acordar e viver pela minha felicidade, acima de viver por todo o resto. Um tapa na cara teria sido mais direto e ter efeitos mais rápidos? Provavelmente. Eu teria preferido? Não, pois, tudo que eu vivi se tornou parte de mim que nunca vou poder esquecer, pois me completa e me torna a pessoa que eu sou, cheia de defeitos, com poucas qualidades, mas com muita determinação... e com uma sede interminável por renascer, como uma fênix. Foi isso que o destino me trouxe também, aliás, a capacidade de sempre me reinventar numa nova forma de mim mesmo... Mas só quando um sentimento maior abalava um sentimento poderoso (O que nem sempre era tarefa fácil, inclusive).

Caramba... Eu mudei tanto nos últimos séculos que poderia ser dividido em quatro Alexei diferentes: o jovem inocente e apaixonado por um crápula, o vampiro sagaz que encarou seu algoz e fugiu com orgulho das garras da morte, o assassino impiedoso e de sangue frio que atormentou as pessoas de Mônaco e o marido perfeito, devotado à Dominic como uma dona de casa nos moldes do século dezenove. Me pergunto qual próxima faceta ei de ostentar... Só torço para que seja uma versão melhor que as anteriores.

No dia que decidi que não mais seria enganado por Dominic, após uma sessão frustrada no meu médico grisalho e de olhos cinzentos, ouvi uma música da minha playlist pessoal de grandes hits dos anos noventa/dois mil que fez meu corpo se arrepiar com a indelicadeza do destino de praticamente jogar na minha cara o que eu devia fazer, talvez cansado de mandar recados mais velados que eu não conseguir enxergar...

Aceitei meus erros, me reinventei e virei a página: agora tô em outra.

Eu, definitivamente, aceitei meus erros naquele dia junto de Ignácio Cruz... Depois de tanto tempo me cobrando a perfeição, me sentindo feio, velho, desinteressante, percebi que não havia ninguém perfeito e que exigir isso de si mesmo ou de qualquer outra pessoa era uma babaquice desmedida, sabe? Eu tenho erros, tenho defeitos... E são eles que me constroem como a pessoa que eu sou, oras.

Tô Nem Aí (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora