Perseguição na montanha

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Os sapatos de Shui ficaram esquecidos muitos quilômetros atrás no começo da perseguição, agora seus pés pisoteavam sem descanso os gravetos, folhas, insetos e o que mais estivesse pelo chão. Cada passo aumentava a dor causada pelos cortes e perfurações na pele exposta, ele tinha quase certeza de que estava sangrando e suas pernas formigavam pelo esforço constante. Aquela não era a primeira vez que ele fugia, já havia se tornado uma habilidade escapar de perseguidores, no entanto, o grupo dessa vez era muito grande, por isso não desistiram tão rapidamente quanto de costume. Além disso, ele havia adentrado a floresta usando vestes femininas que ficam enroscadas em quase todos os arbustos, a barra já estava toda rasgada e suas pernas arranhadas, a situação estava longe de ser boa.

Quando era criança os pais de Shui o forçaram a trabalhar para sustenta-los e o menino fugiu de casa quando descobriu o plano deles para vendê-lo a um senhor de escravos, apesar de proibido por lei, muitos homens ricos "adotavam" crianças de famílias pobres para trabalhar e ele não queria ser uma delas, desde então esteve pelas ruas fazendo tudo o que pudesse para sobreviver. Todos os dias ele trabalhou em qualquer emprego que pudesse, sem se importar com a dor, a fome e o frio, sem nenhum cuidado por si mesmo, apenas para poder sobreviver. A única coisa que importa para ele é a si mesmo, então quando teve a oportunidade de entrar para o mundo do crime, ele não viu aquilo como algo ruim, apenas um meio de se manter.

A carreira dele começou quando tinha 14 anos e passou a ser confundido com uma garota, seus cabelos estavam compridos e seu corpo era desnutrido, tornando-se semelhante ao de uma jovem moça. Um homem lhe ofereceu muito dinheiro em troca de uma noite de prazer e foi então que ele descobriu que poderia ganhar dinheiro fácil dessa forma. A maioria dos seus clientes aceitava que ele os agradasse com a boca, acabou se tornando sua especialidade e criando a fama de ser uma jovem donzela que estava se guardando para o homem certo. Muitos tentaram ser esse homem e o encheram de presentes, sua vida foi boa por alguns anos até que um de seus clientes tentasse ir longe demais a força e descobrisse seu segredo.

Apesar de ter conseguido escapar, agora estava nessa situação, com as pernas feridas, as roupas arruinadas e os cabelos desfeitos balançando com o vento enquanto corria para o mais longe possível do grupo de homens que costumavam ser seus clientes. O formigamento começou a se tornar espasmos, estava difícil controlar seus passos para continuar em frente em uma velocidade adequada, o cansaço estava levando a melhor. Ele usava as árvores como apoio tentando não ser visto pelo grupo, apesar de que seus passos podiam ser ouvidos mesmo à distância devido às folhas e galhos no chão. O solo começou a ficar cada vez mais molhado na direção em que corria, fazendo seu corpo estremecer de frio, não era bem como ele queria morrer, espancado sozinho em uma floresta escura e úmida, mas não é como se ele tivesse muito o que escolher depois da vida que viveu até agora.

O som de água corrente estava cada vez mais alto, talvez se ele se jogasse no rio a correnteza o levasse para longe daqueles homens e ele poderia tentar novamente a vida em outra cidade. Sustentando esse último fio de esperança, foi na direção da água enfiando os pés na lama e desviando dos arbustos que ficavam no seu caminho. Depois de empurrar um galho para o lado, a luz da lua invadiu seus olhos e viu o lago de onde vinha o som de água, infelizmente não havia correnteza, apenas uma cachoeira, ele não conseguiria escapar por lá.

Sentindo suas forças se esvaírem com a decepção, caiu de joelhos quando suas pernas tremeram, suas mãos agarraram a grama alta e as lagrimas começaram a sair de seus olhos. A superfície da água foi quebrada por uma forma grande que assustou Shui, fazendo-o levantar a cabeça e recuar se arrastando para longe da água. Depois de piscar várias vezes ele acabou distinguindo que se tratava de uma pessoa, um homem, alto, musculoso e com longos cabelos negros, a pele dele era tão alva que parecia ser feita da mesma luz que a lua. Por um momento ele pensou que uma divindade tivesse descido à terra, até se recuperar e perceber que estava encarando o homem com a boca aberta, ainda bem que estava vestido como mulher.

A figura divina se virou na direção dele e pareceu confuso ao ver uma jovem caída na beira do lado olhando para ele daquela forma encantada. O homem foi até margem e pegou suas roupas, vestindo-se rapidamente. Shui não teve tempo de admirar mais, pois o som de passos se tornou mais rápido, os homens deviam estar correndo em sua direção, ele tentou se levantar e continuar a correr ao redor do lado, mas deu apenas alguns passos antes de cair novamente de joelhos com as mãos na grama e a respiração ofegante. Estava tão cansado que não conseguia mais reunir forças nas pernas após ter parado mesmo que por um breve período, não teria chance numa luta contra tantos homens, podia apenas torcer para que tivessem misericórdia, mas duvidava disso.

-Lá está ele.

Os gritos aumentaram conforme os homens cercavam ele contra a margem do lago, Shui tentou se arrastar pelo chão, mas já era tarde demais. Um dos homens o chutou nas costelas, fazendo com que ficassem sem ar e caísse de lado, se encolhendo para tentar proteger o corpo. O próximo alvo deles era sua cabeça e ele se preparou para o impacto que provavelmente seria a última coisa que ele sentiria nessa vida, mas mesmo depois de fechar os olhos a dor não veio. Confuso, ele se permitiu abaixar as mãos e abrir um pouco os olhos para tentar distinguir o que estava acontecendo, mas tudo o que viu foi a cor branca.

-Saia da frente, não queremos brigar com você.

Aquele que o chutou gritou apontando para quem quer que estivesse parado entre eles. Seria o homem que ele viu sair do lago, mas por que estaria protegendo ele? Nada daquilo fazia sentido, mas era sua chance de escapar, ele tentou se arrastar para longe de todos, enfiando os dedos na terra para conseguir avançar usando as mãos, já que as pernas estavam exaustas.

-Peguem-no, não deixem o patife escapar.

Shui ouviu os homens gritarem, mas estava ocupado demais para dar atenção e seu cérebro não conseguia acompanhar o que estava sendo dito ou feito. Ninguém ousou se aproximar apesar dos gritos, aquele homem de branco não parecia ser alguém com quem deveriam mexer, por isso, o que havia sido o último cliente de Shui tenta uma nova abordagem.

-Jovem mestre, alguém como você não deveria proteger um patife como esse que engana as pessoas.

Enquanto conversavam, um dos homens tentou vir por trás do jovem de branco para alcançar Shui e arrastá-lo pelos cabelos, mas assim que sua mão conseguiu alcançar um punhado de cabelo, fazendo o menor gritar, ele foi arremessado para longe e caiu inconsciente contra uma árvore. O caos se instaurou dentro do grupo, muitos deles haviam se juntado apenas pela diversão de esfolar alguém vivo e agora que encontraram um adversário mais forte correram de volta para suas casas, nenhuma vingança contra uma prostituta valia a pena tomar uma surra.

O rapaz de branco havia se movido mais rápido do que eles conseguiam ver e empurrado o outro para longe de Shui que caiu novamente no chão, ele se virou na direção do grupo novamente se colocando entre eles e o rapaz vestido de mulher, empunhando uma espada embainhada nas mãos em um claro sinal de proteção. O homem que havia incitado todos os outros cuspiu na direção de Shui, depois olhou para o jovem de branco e saiu correndo de volta em direção a vila.

Shui não se movia do lugar, apenas suas mãos ainda se moviam, cavando o chão na tentativa de escapar. Assim que garantiu que todos os homens haviam ido embora o jovem de brando se aproximou ajoelhando na frente dele. As mãos do mais novo se fecharam em punhos, mesmo depois de tudo ele ainda estava lutando, incapaz de desistir de viver. O outro rapaz o ergueu seus ombros com um dos braços e com dois dedos da outra mão tocou sua testa. Shui relaxou, não estava mais com medo, seu corpo foi envolvido por um calor reconfortante e fechou os olhos.

-Não se preocupe, vai ficar tudo bem.

Ele não sabia dizer se essa era a voz do rapaz de branco ou se estava sonhando, seu corpo ficou leve e sentiu que estava sendo carregado, mas logo o cansaço tomou conta fazendo com que adormecesse.

|| Contagem: 1483 palavras.||

O que vocês acharam? O que esperam que aconteça a seguir?

Como eu me tornei a noiva do mestre cultivadorWhere stories live. Discover now