Dia seis: Alforria

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Lance odiava enterros. Odiava ter de olhar o caixão ser baixado em um buraco e coberto com terra. Odiava a sensação claustrofóbica de pensar que um dia — talvez antes do que a maioria — ele estaria sendo enterrado também, com quilos e quilos de terra em cima dele, abandonado para os germes devorarem. Se tornando apenas restos onde, a coisa mais significativa de si mesmo, seria sua lápide.

Ele odiava o humor que ficava quando ia naqueles eventos.

E principalmente, ele odiava Zarkon por o arrastar para tudo.

Naquele momento ele estava parado no meio fio, de frente a um hotel caro da cidade. Já passava de meio dia e era mais um dia quente, mais um dia que apenas queria por um shorts curtos, chinelo e andar sem camisa ou com um cropped por aí. Mas ele tinha de se portar como mandava a etiqueta. Calça jeans e uma camisa de botão. Ele só queria se jogar em uma piscina!

As reuniões exaustivas com Zarkon e seus cabeças nunca foram algo que ele gostava. Geralmente ele ficava em um canto, com um fone escondido no ouvido ou até jogando no celular ou nos portáteis de Prince de forma descarada. Ninguém nunca se importou. Mas dessa vez ele teve de ir, ouvir e falar com aquelas pessoas e, mesmo os rostos conhecidos que ele por vezes tinha como cúmplices quando fugia antigamente para se divertir, agora pareciam estátuas geladas de pedra atuando uma seriedade que irritava os nervos.

Felizmente aquelas reuniões tinham acabado por enquanto, deixando Lance livre para resolver seus próprios assuntos. Ele se sentia um pouco angustiado por não ter tido muito tempo para pensar sobre o que faria diante de tudo que aconteceu. Seu momento de maior paz foi ao ver o caixão de Romelle ser abaixado e ele não conseguia focar em algo naquele momento. Mas tendo tempo ou não, ele tinha duas certezas.

Uma delas era que aquele talião não ia acontecer.

A outra que não cabia a ele resolver aquilo.

Com isso claro, era hora de buscar os culpados e exigir uma ação.

Um suspiro saiu por seus lábios e ele pegou o telefone começando a caminhar em direção a entrada do hotel. Keith não tinha mandado nenhuma mensagem. Não havia ligado. Depois do funeral ele não se sentia no clima de estar com Keith, então ignorou seu convite para ir a sua casa. Ele estava exausto. E aquilo estava começando a o preocupar, pois nunca antes isso o havia impedido de ver Keith. Se bem que ele sabia que não era apenas exaustão que o fazia se manter longe da mansão.

Aquilo era outro motivo de ele estar ali.

No saguão a recepcionista o encarou com curiosidade ao receber um bom dia do cubano, que passou direto, indo para os elevadores. Obviamente tinha a chave daquele lugar. Obviamente ele não havia sequer pedido. Mas quando ele tinha que pedir alguma coisa com aquele cara? Ele apenas adivinhava ou decidia por si mesmo.

Lance soltou um murmúrio irritado passando a mão no pescoço ao entrar no elevador.

Odiava agora perceber que estava repetindo com outra pessoa o que haviam feito com ele há muito tempo e que o deixou com marcas tão fundas que ainda hoje o fazia se sentir inseguro. Ele detestava aquela sensação. Odiava estar do lado do cara babaca.

E ele admirava um pouco mais Keith por não aceitar aquilo, apesar de tudo.

Quando o elevador abriu, Lance encarou a parede amarela com um quadro realista antigo de um grupo de pessoas nuas correndo por uma floresta. Ele nunca entendeu o por que de os ricos ficarem admirados em ter aquelas coisas por todas as paredes e chamar de arte, mas condenam um carinha da favela que desenha uma mulher negra abraçando só filhos na parede externa da escola.

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⏰ Última atualização: Feb 19, 2020 ⏰

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