Prólogo: O começo

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Era verão, provavelmente já eram duas da tarde. O céu acima da cidade era azul anil, sem qualquer nuvem que atrapalhasse. Nas ruas, crianças brincavam de bola e, nos quintais das casas, mães estendiam as roupas nos varais, agradecendo por finalmente terem tempo para fazer as tarefas durante as férias dos filhos. O cenário era alegre em sua completude, mas se subisse o morro, em direção a mansão do prefeito da cidade, a figura de um menino fugindo de casa quebraria toda a atmosfera.

Este menino era Keith e, naquele momento, estava escondido debaixo de uma arvore – que era a mais escondida do jardim atrás da casa – com a cabeça entre as pernas, sentindo apenas o vento soprar seus cabelos negros para os lados e tornando frio o caminho que suas lagrimas faziam em seu rosto.

Provavelmente ele não poderia ter mais de dez anos e o motivo que o levava a derramar as lágrimas eram diversas. Seu irmão, Shiro havia acabado de chegar em casa e ninguém havia achado interessante o avisar que um acidente no trabalho havia feito seu irmão perder o braço antes de Keith o ver e começar a chorar descontroladamente.

E obviamente, sendo filho adotivo do rígido prefeito Zarkon, chorar por algo como aquilo não era um comportamento adequado diante das câmeras que queria muito uma cena do herói retornando a casa. Keith era novo, mas entendia bem a importância de uma boa narrativa para os interesses de seu pai.

Então fugiu antes dos repórteres saírem, ciente que se ficasse à vista, apanharia. Ou talvez, apenas recebesse o tratamento de silêncio. Esse era ainda pior. Sentia às vezes como se não importasse o que fizesse, bom ou ruim, não fosse digno de ter qualquer atenção.

Keith já havia ouvido as duas coisas pelas bocas dos empregados enquanto andava pelos corredores da casa de cabeça baixa, mas não sabia dizer qual das duas coisas deveria esperar. Seu pai o amava ao ponto de não o punir por algo que fez de errado ou o odiava ao ponto de preferir apenas o ignorar completamente?

Sabia que se fosse perguntar a Shiro, ele pediria que ele não pensasse naquilo e faria uma expressão de dor no rosto, como toda vez que perguntava qualquer coisa sobre o pai.

Qual fosse a verdadeira natureza de seu pai, aquele afastamento tornava a vida triste e vazia, o fazendo, por vezes, ele se esconder ali para chorar e assistir de longe as crianças do vilarejo brincarem, imaginando como seria se pudesse estar com elas. Pareciam sempre despreocupados, mesmo quando as mães gritavam para que parassem de jogar e voltassem para dentro. Seu irmão algumas vezes tentou brincar com ele, sem entender realmente o porquê de Keith desejar tanto ser aqueles meninos, mas ele não era mais uma criança. Não era a mesma coisa. Sequer era o que Keith queria.

Apertando as mãos em seus joelhos, os recolhendo mais para junto do corpo, Keith suspirou.

— Ei! — Chamou uma voz de criança ao seu lado, Keith levantou o rosto assustado para ver quem era.

Nenhum empregado o incomodava quando ia para aquele lugar, mas quem falava consigo não era um empregado. Ao seu lado, inclinado para frente, com as mãos apoiadas nas pernas para manter o equilíbrio, havia um menino de pele marrom e rosto pintado de branco, onde, com tinta preta, estava maquiada uma expressão engraçada, como um palhaço.

— Por que está chorando? — Perguntou o menino desconhecido, inclinando o rosto para o lado.

— Nada. — Resmungou Keith limpando as lágrimas com as costas das mãos e virando o rosto envergonhado por ter sido pego em um momento tão inconveniente.

O menino palhaço se colocou de joelho ao seu lado.

— Se fosse nada, você não estaria chorando. — Rebateu o menino pegando as mãos de Keith e as afastando do rosto. — Vamos, pode me contar! Eu prometo que não vou rir!

Guillotine (NOVO)Onde histórias criam vida. Descubra agora