— ENTÃO você é a minha esposa? Que interessante!
Seus olhos escuros como um dia de tempestade examinaram a figura esguia de
Louise, parada na porta de casa, paralisada pelo choque. Mesmo a calça jeans e o aconchegante suéter cor de cereja que usava pareciam subitamente insuficientes para
o frio que sentia.
— Diga, mi esposa — falou com ironia. — Quando pretendia me contar?
— Eu não pretendia...
Foi tudo o que Louise conseguiu dizer. Desde que abrira a porta atendendo à
batida impaciente e autoritária, mal reconhecia o que estava ao seu redor, perdida num
redemoinho que parecia evoluir para um tomado de emoções.
Claro que reconheceu o homem parado à sua porta. Oito anos era muito tempo,
mas reconheceria Alex em qualquer lugar. Seu temperamento arrogante melhorara
com a idade. Era muito alto, bem moreno, imponente, com uma aparência
impressionante demais para ser esquecido, mesmo que ela tivesse razões suficientes
para preferir esquecêlo. — Não pretendia? — O tom irônico se acentuou. — Você não pretendia contar ao
seu marido sobre esse casamento secreto? Não acha que seriam prudente, para não
dizer maleducado, querida?
— Não.
Era a mais pura verdade. Ela jamais pensou que alguém iria acreditar em sua
mentira ingênua e impulsiva. Nunca pensou que aquilo chegaria aos ouvidos de Alex
Anderson —Alex Alcolar, como era conhecido agora, desde que adotara o nome do
pai. Ele estava a quilômetros de distância, vivendo na Espanha. Jamais imaginou que
poderia ouvir falar sobre ela, menos ainda que daria importância ao subterfúgio
absurdo que ela usara num momento de crise.
No entanto, foi isso que acontecera, e o que fora um simples ato de defesa se
transformara em outra complicação desnecessária em sua vida. O pior tipo de
complicação. Ela não queria Alex de volta em sua vida.
— Eu não pretendia lhe contar nada sobre isso. Quem lhe contou?
Alex deu de ombros sob a elegante jaqueta de couro. — Não sei. Recebi uma carta anônima enviada daqui, me acusando de
negligenciar minha esposa. A esposa que eu ignorava ter. É claro que vim o mais
rápido que pude. — Mas você deveria saber que esse "casamento" era uma farsa, que nada tinha
a ver com você. — Nada? — repetiu ele com acentuado cinismo e ironia. — Se você está usando
o meu nome, afirmando ser minha esposa, então acho que tem tudo a ver comigo. Que
eu me lembre, quando conheci você, seu pai não me considerava digno de pertencer à
sua família, e você acabou concordando com ele. Agora, de repente, você alega ser
minha mulher! Acho melhor você começar a explicar tudo isso. Comece contando
exatamente onde e em que circunstâncias aconteceu esse casamento. — Você quer mesmo que eu diga? — desafiou Louise, com os olhos cheios de
desprezo. — Você sabe exatamente onde foi. Em lugar algum! Como você sabe, nunca
houve casamento!
Para surpresa dela, ele sorriu. A curva dos lábios e a luz dos olhos acinzentados
iluminaram o rosto dele e fizeram o coração de Louise bater acelerado. __ Fico feliz em ouvir isso. Começava a acreditar que estava ficando louco ou que
havia perdido a memória... porque não me lembrava... — Claro que não! Não há nada de errado com sua memória, sabe muito bem disso.
Você não esqueceu nada. Devia saber desde o começo que tudo isso era um
absurdo. Então por que você está aqui? O que o trouxe de... de... — Da Andaluzia — respondeu Alex. — É lá que eu moro agora.
— Claro. É por isso que você às vezes troca algumas palavras em espanhol!
O Alex que ela conhecera não falava uma única palavra de espanhol, não tinha nenhuma idéia de suas raízes hispânicas e de que o sangue de um nobre espanhol
corria em suas veias. Somente após a morte da mãe ele descobrira a verdade sobre o
pai. — Sou espanhol — disse friamente. — Ou meioespanhol. Meu pai é espanhol.
Minha casa e meu trabalho estão na Andaluzia. Falo o idioma a maior parte do tempo. — O que torna mais estranho o fato de você ter se dado ao trabalho de vir até
aqui...
Alex reconheceu que esse era um esclarecimento que ele buscava havia algum
tempo. Por que viera para a Inglaterra, motivado por algo que sabia ser apenas uma
farsa? Por que se concentrara na menor desculpa para pegar um avião e retornar à
pequena cidade onde crescera? A cidade que era dele, mas que acreditava ter deixado
definitivamente para trás. Pensara ter sacudido de seus sapatos o pó daquele lugar
para onde jamais retornaria, ou que jamais iria se deparar com a mulher que quase
destruíra sua vida, e agora lá estava ele.
Por quê?
Porque não conseguira manter o controle. — Queria encontrar a mulher que vem afirmando ser minha esposa. — Sua boca
se curvava num sorriso que fez o sangue de Louise gelar. — Queria saber o que está
acontecendo com você. — Nada de muito interessante, como pode ver. De fato, não aconteceu nada! — O gesto exagerado com que indicava a si mesma e o cenário que a cercava revelava
mais do que ela poderia desejar. Estas não eram as condições de vida que ela
mantivera no passado e sabia, pelo modo como os olhos de Alex se estreitaram, que
ele se lembrava de como ela então vivia.
— O que aconteceu? — disse ele de modo ríspido, frio e direto.
Ela não queria responder, mas sabia que ele não a deixaria fugir da pergunta. — Você quer dizer: por que estou morando aqui nesse chalé, e não na mansão
onde morava? As coisas mudam, Alex! Nada dura para sempre. — Você não mudou nada — disse ele secamente. —Ainda está bonita como
sempre foi.
Essa era a última afirmação que ela esperava, e aquilo a atingiu com a força de
um golpe contra o peito, lhe tirando o fôlego. O olhar sombrio e perturbador de Alex
piorava tudo, revelando excitação e sensualidade contidas, revivendo nela coisas que
acreditava enterradas há longo tempo, lembranças que queria manter escondidas.
— Não... — disse com uma voz rouca, sem saber por que estava negando. — Sim — contrapôs Alex, de modo brusco. — Você está tão adorável quanto
sempre foi. Ainda mais, se é que isso é possível...
Ele deu um passo em sua direção, e isso quebrou a magia que parecia envolvê
la. Ele estava muito próximo. Próximo demais. Se desse mais dois passos, estaria
dentro da casa. A casa dela. E isso era mais do que podia suportar. — Não! — disse Louise com mais firmeza. Virou e entrou em casa, batendo a
porta sumariamente. — Vá embora! — gritou, rezando para que sua voz o alcançasse através da porta
maciça. — Eu não quero você aqui!
O silencio que se seguiu era inesperado e perturbador. Teria ele partido? Teria
sido tão fácil assim?
Não, ela mal tivera tempo para se recompor quando um som fraco que vinha da
porta dos fundos a deixou rígida novamente. A corrida através da cozinha deve ter
levado apenas alguns segundos, mas ela chegou tarde. A porta dos fundos se abriu e
Alex entrou, fechandoa com um chute e se mantendo firmemente à soleira. — Muito bem, Louise — disse. — Não acha que está na hora de me dar algumas explicações?
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Marcas do Passado
RomanceESSE LIVRO NÃO É DE MINHA AUTORIA. DIREITOS TOTALMENTE RESERVADOS PRA KATE WALKER