você quer entrar para um café?

1.7K 224 403
                                    

Há algo. Sempre há algo, para ser honesto. Anos atrás, não sei, havia lido: talvez Descartes, talvez outro por aí, talvez no livro de filosofia... Só sei que li. Posso jurar que tinha sido Discurso do Método, mas não tenho o mínimo de certeza. E numa das inúmeras palavras pertencentes ao livro, interpretei algo que havia levado para a vida: calma-te, não desejes tanto o que não podes ter por ora, pois assim regará o sentimento de insatisfação para o que tens agora, e isso irá lhe desencadear a infelicidade. E não quero ser infeliz. Então por que almejar tanto o que não posso ter? Como o amor de alguém.

Vou pensando nisso a medida que seu corpo torna-se mais presente em mim, chegando mais, aconchegando-se em meus braços, sua boca infinita bordando meu ser. Ele não quer parar, nunca o vi beijar assim. Então eu preciso me afastar um pouco para tentar viver.

— Ahn... Você... Você quer entrar para um café? — digo, mas não entendo o porquê da minha voz estar meio trêmula.

Ten sorri e concorda, mas dá uma bisbilhotada no relógio antes de desligar o ar e abrir a porta. A chuva deu uma estiada. Gosto assim. Saímos com um pouco de pressa, uma vez que os chuviscos agudos estão a nos cutucar ao passo que avançamos. E ficamos em silêncio, eu e Ten. Entramos no elevador, eu aperto o botão, então percebo que ele está próximo a mim ao sentir nossos braços se encostarem.

Hoje eu pensei em desistir. Desistir um pouco de nós, deixar um pouco de lado. Mas toda vez que olho para ele, isso me parece uma coisa impossível. Com uma única mão, Ten manda algumas mensagens para algumas pessoas. Ele está focado no celular, então não nota quando o andar chega e as portas se abrem.

— Vamos — seguro teu antebraço esquerdo e passo a guia-lo pelo andar até meu apartamento.

Eu não arrumei as coisas, mas também não acho que esteja tão bagunçado assim. Ten guarda o celular quando eu abro a porta e entramos silenciosamente. Abro as janelas quando ele fecha a porta, para que ventile um pouco. Quando vou à cozinha, Ten senta-se no sofá. Vou preparando o café quando escuto sua voz vinda da sala:

— Você quer ajuda?

— Não, está tudo bem — respondo, mas isso não é o suficiente. Ten aparece à porta da cozinha sem o sobretudo e a visão que tenho é de tirar o fôlego. — Ay, Ten... Tu sujou a roupa hoje?

— Ah, isso...? — ele olha para as próprias vestes. Deixo a água no fogo e giro meu corpo inteiro em sua direção. — Eu esqueci de trocar de roupa, aí só coloquei o avental. Então me bati com um dos cozinheiros, daí derramou molho no avental... Tive que tirar e acabei por esquecer de arranjar outro também.

— Está muito esquecidinho hoje — me aproximo para avaliar. Claro que estaria menos chamativo se sua camisa não fosse branca. — Quer que eu lave?

— Não. Quando eu chegar em casa, eu lavo — ele afasta a franja da testa e encosta-se no batente.

— Retórica — tiro a barra da camisa de dentro da calça e vou abrindo os botões. Ele não diz nada, também não faz nada. Isso me lembra algo... Algo que quase fizemos na França.

És um pouco estranho, meu querido amado. Teu rosto iluminado por uma beleza sublime, contornando cada traço com encanto e charme. E eu encaro teus olhos enquanto vou abrindo um por um, dedos sem querer tocando sua pele, mas não nos importamos mais com isso. Ele não vai surtar se eu lhe tocar, se eu lhe beijar, se eu trouxer intensidade. Mas eu só sorrio ao tirar sua camisa, e coloco-a na máquina junto com algumas outras roupas minhas.

Ele quer me ajudar, é prestativo. Diz que sabe de algumas receitas fáceis e rápidas de biscoitos, só que dessa vez deseja fazer um salgado. Lhe digo:

café et cigarettes༶✎༶tae•tenOnde histórias criam vida. Descubra agora