Capitulo IV - Não é coisa de criança

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     Acordo antes do despertador tocar. Odeio quando isso acontece, parece que acordo antes de todo mundo, inclusive do sol. Me levanto e pego o celular para ver a hora, o relógio mostra que falta meia hora para o alarme disparar, que bom que não é uma hora ou mais, não sei se conseguiria voltar a dormir. Sento na cama e fico encarando meus pés, os pensamentos giram em minha cabeça. Devo admitir que as crianças andam falando coisas que mexem comigo. Eles não são tão novinhos e não parecem estar mentindo, mas como levar tudo isso a sério? Tenho quase vinte e dois anos e não faço ideia da maneira que levarei isso para frente. Simplesmente não sei.
     Vou para o banheiro e ligo o chuveiro, para a água ir aquecendo. Enquanto isso, lavo meu rosto e busco minha roupa. Acho que nunca me senti perdida e confusa assim, o assunto nem é complicado, só difícil de acreditar. Hoje não tenho que ir à escola, pois não tenho aula para dar, mas na hora da saída tenho que conversar sério com as crianças, resolver isso o quanto antes. Tiro a roupa e entro no box. Tomo um longo banho, deixando a água quente cair em minhas costas. Desligo o chuveiro depois de alguns minutos e pego a toalha, me secando.
     Estou com raiva, pois os pensamentos não me deixam em paz, parece que alguém fica segurando eles aqui e eu não quero isso. Coloco a roupa e sento na penteadeira, passando o dedo pelos cachos, tentando desembaraçá-los, e coloco alguns acessórios. Em seguida me levanto, descendo para a cozinha.
     Meu pai franze o cenho ao me ver, pois de quinta fico mais tempo na cama, rio e me sento com ele. Tomamos café juntos e conversamos sobre a faculdade, as aulas... ele fala sobre o curso e atividades que está fazendo. Mesmo falando sobre "tudo", fico com uma pulga atrás da orelha. Será que conto isso para ele? Os pensamentos voltam a me rodear e solto um suspiro, o que faz meu pai olhar para mim. Dou um pequeno sorriso e abro a boca, mas desisto.
     — Filha, o que foi? Tem algo que deseja falar? — Sinto um arrepio, não sei por que me surpreendo, ele me conhece tão bem.
     — Na verdade, sim — falo, por fim. — As crianças de uma turma andam falando coisas... estranhas — rio fraco. — Sobre Sandman, Bicho Papão...
     — Ora, ora, ora... — ele me interrompe. — Sandman... faz tempo que não escuto falarem dele.
     — Você conhece essa lenda?! — pergunto, espantada.
     — Lenda? — Meu pai ri. — Sandman é uma das coisas mais incríveis que existem.
     — Eu... eu pesquisei sobre ele e descobri que faz os sonhos das crianças.
     — E de quem acredita, também — ele completa, com um sorriso estranho nos lábios.
     — Ok... ok... — resmungo, perdida. — E o senhor acredita?!
     — Mas é claro! Por que não acreditaria?
     — Porque é loucura?
     — Se quer pensar assim... — ele fala, me provocando.
     — E... Breu?
     — Pense como... Sandman é luz e Breu trevas — meu pai explica.
     Luz? Trevas? Ou meu pai está louco ou tem sonhado como as crianças. Ele fala de maneira natural e verdadeira, como elas, mas é difícil de acreditar. Meu pai faz sinal para que eu espere e se levanta, indo até as escadas. Pego a caneca e bebo o café, tentando acalmar meus pensamentos e afastá-los daqui, porém parece impossível. Ele volta com um caderno pequeno nas mãos e me entrega.
     — Chegou a hora de você ler o diário de sua mãe — ele indica o caderno. — Pois será mais fácil de entender agora.
      Olho para meu pai, confusa, e pego o caderno, observando cada detalhe. Por que ele não me falou antes? Sempre procuro algo sobre ela. Um diário? É perfeito para conhecê-la melhor. Passo o dedo pela capa e abro, folheando o mesmo. Não há apenas coisas escritas, ela gostava de desenhar, então as páginas estão repletas de rabiscos e cores. Sorrio para meu pai e ele segura minha mão.
     — Ele é todo seu — fala e se levanta. — Pode ir, eu cuido aqui — ele indica as coisas.
     — A pai, obrigada! — Levanto em um pulo e o abraço.
     Quando nos afastamos, beijo sua bochecha e corro para cima, me jogando na cama. Abro o diário e leio página por página, detalhe por detalhe. É incrível ter algo tão íntimo de minha mãe, que usou todos os dias e escreveu coisas tão importantes. Os desenhos também passam emoções e momentos inesquecíveis para ela.

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     Passei a manhã toda deitada na cama lendo o diário de minha mãe. Fiquei intrigada com as coisas que ela escrevia e desenhava, pois nunca vi nada assim dela e até me sinto mais próxima. Isso é incrível. Meu pai bate na porta e abre a mesma devagar, rio para ele e me sento, chamando-o.
     — Não está com fome? Achei que fosse almoçar comigo.
     — Como sentir fome quando estou com o diário de minha mãe em mãos?! — Brinco.
     — O que descobriu? — ele pergunta, mas sei que já leu tudo o que está aqui.
     — Bom... ela fala sobre Sandman e Breu, mas não apenas deles — começo, já animada. — Minha mãe escreveu também sobre o Papai Noel, Coelho da Páscoa, Fada do Dente e... Jack Frost — falo para ele. — Enfim, no começo achei que eram pensamentos de quando era criança, mas não. Encontrei sobre o Coelho, por exemplo, que as pessoas falam sobre o sentimento de esperança na páscoa, o qual pode ser tão forte que pode fazer algo realmente existir. Ou seja, ela acreditava no Coelho da Páscoa! Isso é...
     — Incrível?
     — Sim! Eu... eu amei — rio fraco.
     — Sei que é difícil de acreditar, então procure sentir... tenho certeza que vai entender — meu pai beija minha testa e se levanta. — Estou te esperando na mesa.
     — Ok! Já vou descer.
     Observo o mais velho sair e fechar a porta. Deito na cama e encaro o teto, pensando sobre tudo o que acabei de ler. É estranho, mas sinto que faz sentido, mesmo sendo loucura, mas faz. Fecho o diário e coloco embaixo do travesseiro. Há muito o que ler ainda, já me sinto mais próxima de minha mãe. Pego o celular e desço para a cozinha, onde meu pai está à minha espera. O que ele me deu mexeu tanto comigo que até esqueci de ir até a saída da escola, vou ter que esperar até amanhã para falar com os meninos.
     Almoçamos, quer dizer, meu pai comeu, eu fiquei tagarelando sem parar, ele queria me bater. Não posso segurar, meu peito transborda alegria! Ter algo dela me faz senti-la aqui, conosco. Depois de comermos, ajudo meu pai a lavar e guardar as coisas e logo subo para o quarto. Mesmo a vontade de ler o diário está me chamando, tenho que estudar, afinal as provas são em algumas semanas. Sento na mesa e pego as coisas que vou usar, não posso enrolar, se sobrar tempo pego o diário.

 Sento na mesa e pego as coisas que vou usar, não posso enrolar, se sobrar tempo pego o diário

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     Quando me dou conta, tenho que correr e me arrumar, pois a hora de ir para a faculdade chegou. Coloco uma roupa confortável e guardo o material na mochila, logo desço para a cozinha e arrumo o lanche. Hoje estou tão animada que não paro quieta um segundo, foi difícil estudar, o foco não vinha. Me despeço do meu pai e vou até a garagem, pegando a bicicleta e indo para a faculdade.

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     Abro a porta devagar, para não fazer barulho e acordar meu pai. Passo pela cozinha, pegando algo para comer e subo para o quarto. A noite vai ser longa. Levanto o travesseiro e tiro o diário de lá, logo me deitando na cama e volto a ler. Estou muito interessada nisso, muito mesmo, parece que minha mãe tem as respostas para minhas perguntas. Agradeço pelo sono não vir, afinal não quero parar tão cedo.
     Olho o celular depois de um tempo. Três da manhã. Tenho que ir dormir, já li bastante. Fecho o caderno e viro para o lado, abraçada com ele. Há um pensamento que ficou. Esse assunto não é coisa de criança. Meus olhos se fecham e pego no sono.

Metamorfose - Fanfic A Origem dos GuardiõesOnde histórias criam vida. Descubra agora