Cada um tem as suas amarras, os seus cordéis, as suas celas. Irrelevante a perspectiva para tão evidente conclusão. Quero dizer apenas que não posso nem posso querer mudar as amarras de outros, afinal eles não sabem mais nem melhor do que aquilo que sabem. Por muito que me assombre, conforto-me na ideia de que, embora triste, tenha deixado cair por terra essa amarra, cortado o cordel, saído dessa cela. Tristeza é só um sentimento, fruto do exercício cerebral, raiz da consciência é certo, mas em toda a instância menos relevante que liberdade, também este um princípio ilusivo, se bem que bem mais fundamental para o bom funcionamento de um intelecto consciente. Irónica a necessidade da primeira apenas para ser ultrapassada em importância pela segunda, considerando obviamente a fuga duma e a procura doutra. É quase sempre assim, o filho que nasce para tomar o lugar do pai.
(Consciência é por si também uma mentira mas, como é tudo o que tenho, faço dela a minha verdade.)
Coloco a hipótese de cada um ter as amarras que merece. Talvez seja verdade, talvez não, seja apenas neste caso que, por distribuição de probabilidades, se atribuiu uma amarra que me parece adequada. Não é castigo nem é benesse, é algo no meio, de certo um cargo, um peso, bem que provavelmente quem o carrega não o sinta, como o peso dos ossos, músculos e outros órgãos, que apenas deixam sentir o peso do tempo, nunca o peso próprio. Espero que ela seja feliz, nessa cela. A verdade é que, mesmo eu me tendo libertado, apenas abri uma das portas, muitas outras clausuras se sobrepõe. Porém não sei se me desejo igual destino, pelo menos nos mesmos moldes, não por masoquismo, mas por puro desconhecimento. Suspeito que não conheço os contornos da minha próxima carapaça e, como o edifício se começa a construir pelo alicerce, exige a boa prática que não se adivinhe já o telhado.
Para já é aqui que me encontro, como Pinóquio olhando as demais marionetes, I had strings but now I'm free, I've got no strings on me, dos mais visíveis cordéis falo. Falta agora verificar se tenho coragem de, estando a porta aberta, pôr a cabeça e o restante corpo fora da gaiola, mergulhar no escuro e talvez arranhar a próxima parede, afinal uma amarra é uma ótima desculpa para fazer mais do mesmo e deixar os sonhos dentro da cabeça. O que vais fazer hoje para estar mais perto do que queres fazer com a tua vida, Provavelmente o normal, que para a minha ambição é muito pouco, E daí retiras o quê, Mas tenho tanto para fazer, Quantos grãos de areia cabem num jarro cheio de laranjas, Quê, muitos, Quantas laranjas cabem num jarro cheio de areia, Nenhuma, mas a tua analogia veio de um vídeo da net, E como tal isso desqualifica todo o argumento e valida a tua inércia, conformismo e equivalente tendência para autossabotagem, Exato, Ótimo, este ainda não quer acordar, tentemos o próximo.
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O dia que passou
RandomHá dias que passam mais do que outros. Onze momentos de quem se despede do amor.