Este é o meu grito. O grito de quem sentiu tal vazio. Tal violência. A violência do silêncio, da evasão, da impaciência. Não sei a quem recorra senão à escuridão do meu quarto. Só nela se revoltam as memórias dolorosas e as mágoas residentes. Lembram-se de que existem e fazem o favor de notificar o senhorio. Não quero mais. Já me fartei. Por mim mandava-las fora, mas parece que o contrato não o permite. É sempre o mesmo: saudoso passado bom, seguido de perda e lágrimas perenes, a terminar numa saída desigual, de um apagado e outro meio aceso. Só resta a suspensão da sessão de hoje, o julgamento recomeçará amanhã.
Não quero ser surdo, quero ouvir-me. Mas digo sempre a mesma coisa: o mal e o medo de que aconteça tudo de novo, a segurança que é deixar o coração dentro do tórax, e o tempo que se poupa para mim e para trabalhar. Tal abordagem desiste dos sorrisos súbitos, dos impulsos apaixonados, da coexistência, da totalidade. Mas a queda é tão grande quanto o amor, o abismo tão negro quanto o quarto que me cerca e a almofada que guarda as minhas lágrimas nesta e noutras noites.
Pudesse eu ser livre. Feliz como e quando quisesse, sem obrigações para com o passado. Utopia ingénua. Sou refém de quem estou, sujeito a quem fui. Hei de ser mais se quiser, mas só naquilo que seja humanamente possível, que para os outros é tanto, mas para mim é tão pouco.
Grito. Grito. Grito.
Não te metas noutra. Não mereces.
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O dia que passou
DiversosHá dias que passam mais do que outros. Onze momentos de quem se despede do amor.