Prólogo

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Respiro fundo tentando me acalmar.

As palmas de minhas mãos estão suando, discretamente as secos na roupa brilhante.

O silêncio é cortado pelos primeiros acordes da música clássica, então sei que chegou a minha hora.

Faço meu caminhar com delicadeza e leveza.

A ponta das sapatilhas, mesmo após tantos anos ainda me incomodam, mas a dor que elas me proporcionam não é nada perto da dor que estou sentindo por dentro.

Começo a execução dos meus passos com toda a atenção e primor necessário.

Dou um rodopio com precisão, seguido de um jeté, me mantenho em um adagio e finalizo com um en dehors.

Perfeita.

Foi a apresentação perfeita.

Uma lágrima escorre antes que eu possa deter.

Há algum tempo atrás era deste modo que eu era conhecida.

A bailarina perfeita.

A garota perfeita.

A filha e irmã perfeita.

Uma reputação construída com tanto esmero ao longo dos anos estava destruída agora.

Não tinha mais nada de perfeito em mim.

Fiz a mensura de agradecimento e fui recebida com aplausos.

Saio sem falar com ninguém e me tranco no meu pequeno camarim.

Retiro as sapatilhas e encaro meu reflexo no espelho.

Quem eu me tornei?

Como me perdi tanto neste caminho?

Minha mãe sempre me disse que nossas escolhas de certa forma acabam definindo quem somos, eu nunca parei realmente para pensar nisso até agora.

Quando pequenos, escolhemos se queremos ser a criança adorável e obediente ou aquela insuportável e chata, alguns anos mais tarde podemos escolher entre ser o aluno estudioso ou o preguiçoso, escolhemos o que queremos ser quando "crescer", escolhemos o emprego que vamos trabalhar, os relacionamentos que vamos ter, os amigos, o futuro que vai vir, escolhemos basicamente como vai ser a nossa vida, mas nunca contando como o destino pode mudar tudo.

Fiz as minhas escolhas, não foram boas eu assumo, mas foram escolhas que moveram a minha vida até aqui.

Escolhi amar acima de tudo, escolhi viver desse modo sem perceber que o que estou fazendo não é realmente viver. Infelizmente escolhi dar meu coração para uma pessoa que nunca realmente o quis.

Uma batida na porta me chama para a realidade, sei bem quem é.

Com uma respiração profunda me levanto e abro a porta.

Sou pega de surpresa por seus braços que me erguem e me rodopiam, seus lábios estão nos meus antes mesmo que eu possa reagir.

— Maravilhosa! Você estava maravilhosa como sempre! — Fala me soltando.

— Meu pai não veio — as palavras saem de modo triste e melancólico. — É a primeira apresentação minha que ele não vem, ele nunca perdeu nenhuma.

Sua expressão cai, a felicidade de alguns segundos atrás desaparece.

— Ele vai entender, uma hora ele vai entender. — Afirma.

Balanço a cabeça negando. Queria ter a mesma certeza que ele.

Ele não vai em perdoar.

Eu o decepcionei de uma maneira que ele nunca pensou que eu poderia.

Meu pai nunca iria me perdoar.

— Liz, eu te amo. Você sempre vai ser o amor da minha vida — fala atraindo minha atenção.

O observo com cuidado.

As vezes olho para trás e me arrependo das minhas escolhas.

Mas então basta ele me olhar desta forma e dizer essas palavras que toda essa minha convicção muda.

Ele sempre diz isso, que eu sou a pessoa que ele sempre vai amar, em alguns momentos isso faz com que eu me sinta a garota mais especial no mundo, como se eu fosse única.

O problema é que eu não sou a única.

As vezes sinto tanta raiva dele, raiva de mim.

Eu o odeio e amo quase na mesma proporção.

Esse amor me fez cometer loucuras, me fez deixar de lado os meus princípios, minha verdadeira essência.

Queria ser forte o suficiente para dizer que não acredito em seu amor, para o deixar, mas não consigo.

Tem horas que realmente não sei o que sinto ou o que ele sente.

Como eu disse, o destino pode mudar tudo, independente das nossas escolhas.

E o que era para ser uma linda história de amor, acabou se tornando um jogo.

Um jogo onde ninguém é amado de verdade, um jogo de mentiras, um jogo de traições e lágrimas, um jogo de dinheiro e poder, um jogo onde todos os sentimentos não valem absolutamente nada.

Um jogo onde os corações são tão frágeis como papeis.

E mesmo sabendo que só vou me afundar cada vez mais, mergulho mesmo assim.

— Eu também te amo. 

Corações de Papel - Degustação Onde histórias criam vida. Descubra agora