CARLOTTA

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CARLOTTA

Que a vida não é justa, eu já estava cansada de saber. Eu tinha um problema crônico de coração, nenhuma memória do meu pai e meu irmão se achava no direito de controlar cada passo da minha vida. Nada de justiça por aqui. Mas eu tentava compensar da minha maneira. E se isso significava ir contra os padrões que esperavam de mim, que seja.

A maior injustiça da minha vida era não saber o quanto ela ia durar. Ninguém além de de Mama e Diego sabiam, e estava melhor assim. Porque quando seu médico acredita que você precisa de um novo transplante em breve, as coisas mudam de perspectiva. Sempre senti que o relógio não batia a meu favor, e agora só tinha a certeza. Então, para o inferno com as tradições.

Por isso foi tão insuportável quando Alessio Falcone apareceu, com sua pompa e cara de menino. Eu estava me divertindo enquanto podia, e ele tinha estragado tudo. Deixei que ele me arrastasse para fora e me jogasse no seu carro esporte, porque como sempre, não tinha outra opção. Quando ele finalmente se sentou ao meu lado no carro, parecendo mais nervoso do que eu jamais o tinha visto, eu quase ri.

-Mas que porra você estava fazendo aqui?

Os cantos dos meus lábios se curvaram de leve. Ele grunhe algo inteligível.

-Não, não responda. Eu não vou gostar.

-Eu já disse o que estava fazendo aqui. E não é da porra da sua conta.

Se meu uso de palavrões o assustou, não sabia dizer. Nós nos conhecíamos em nível médio. Ele como Falcone e eu como agregada da família que comandava Las Vegas. E o relacionamento de Aurora e Nevio esse verão nos tinha empurrado para muitas situações juntos. Eu gostava de testar sua paciência e ele parecia nunca esgotá-la. E nós dois gostávamos de provocar. Não tinha nenhuma simpatia maior ou menor por ele. Era só... Alessio.

-É aí que você se engana. É claro que é da minha conta. Você se acha tão esperta, aposto que sabe tudo que acontece nessas festas, não?

Eu dei de ombros. Ele estava tentando me intimidar e não ia funcionar.

-Não é a primeira vez que eu venho.

Era mentira. Era a primeira vez que eu ia em uma festa de Galinotti. Já tinha ido em inúmeras outras festas, em geral as que envolviam mais as pessoas da escola do que as da máfia. Sempre soube o perigo de ir nas infames festas do ex sedutor, frequentadas por soldados de todos os níveis da Camorra. Mas eu precisava tentar. As coisas perdiam a graça depois de um tempo, e se fosse para falhar... Podia muito bem ser agora.

Alessio não diz nada por um tempo, até que volta a falar, com a voz baixa. Eu esperava uma reação mais explosiva. Mas, no fim do dia, ele era mesmo filho de Nino Falcone, e foi com a mais pura calma que respondeu. O único indício de emoção eram as mãos apertando forte o volante.

-Mas será a última.

Não era um pedido. Não era uma ameaça. Era uma ordem. Meu sangue esquentou ainda mais.

-Pare o carro.

Silêncio.

-Alessio! Pare o carro. Eu vou sair.

-Não.

Eu tento abrir a porta, vendo vermelho. Tinha que sair daqui. Não podia. Mais um querendo controlar o resto de vida que eu tinha. Ele não tinha direito e ele não ia conseguir. As travas não cedem. Talvez se eu socar a janela...

O carro para abruptamente. Eu finalmente giro e encontro os olhos dele. Não tão calmo dessa vez, e eu quase sorrio. Ele desliga o motor, respirando com dificuldade. O silêncio encobre o carro. Estamos há algumas quadras da minha casa. Alessio olha pra frente por longos segundos antes de exalar.

Twisted LivesOnde histórias criam vida. Descubra agora