O Bilhete

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Lianne estava juntando suas coisas na mochila no final da aula de português quando o menino dourado espalmou disfarçadamente um bilhete de folha de caderno em cima da sua mesa. Ela levantou os olhos para ele, e seus olhares se encontraram por mais um segundo antes que ele se virasse e saísse da sala de vez. Aqueles olhos castanho claros estavam começando a desconcertá-la, isso era certo.

Ela pegou o pedaço de papel entre os dedos como se fosse uma coisa preciosa, com o maior cuidado do mundo. Olhou pra ele. Estava perfeitamente dobrado, o que era incrível, porque ela nunca conseguia dobrar papéis direito e se achava atrapalhada demais para isso.

Ela olhou em volta, furtivamente.

Quase todo mundo já tinha saído da sala, sobrando apenas ela, parada na sua cadeira e um grupo de pessoas que conversavam a altos risos no fundo da sala. Depois, ela se sentiu embaraçada de ter olhado em volta, como se ninguém pudesse ver. Era apenas um pedaço de papel, francamente! Não era nada secreto.

Mas talvez fosse.

Mas não era.

Mas talvez fosse.

Vou abrir.

Antes, ela olhou em volta mais uma vez, para ver se ninguém estava olhando. Ficou brava. Pare de olhar em volta! Gritou para si mesma na própria cabeça. Ou talvez tenha falado em voz alta. Virou-se para o fundo da sala novamente, e como ninguém daquele grupinho estava olhando assustado pra ela, soube que não tinha falado em voz alta. As vezes fazia coisas espontaneamente ou impulsivamente, sem parar, e depois simplesmente não tinha como voltar atrás. O "SUFOCANTE" mutilado pareceu arder mais forte no seu braço.

Ela abriu o bilhete.

Thomas Ramalho não só dobrava papéis perfeitamente, como tinha uma caligrafia perfeita. Principalmente para um menino.

Esse é um pensamento machista.

Não, não é.

Claro que é!

Deixe de ser fresca.

Cale a boca!

O bilhete dizia:

Eu gostaria de conversar sobre o lago, se não for demais para você. Acho que nós dois devemos perguntas e respostas um para o outro, e ignorar isso por mais tempo só vai nos prejudicar, certo? Eu te vejo me olhando pelos corredores.

Me encontre atrás da escola, perto do pilar das caixas d'águas. Ninguém vai lá porque tem muito mosquito, então traz um repelente, se você tiver.

Juro que isso não é um sequestro.

Thomas.

Suas bochechas estavam um pouco mais rosadas que o normal ao final da mensagem. Eu te vejo me olhando pelos corredores. Quanta arrogância! Ou talvez fosse apenas um comentário. Ela não podia fingir que realmente não estava o olhando pelos corredores, porque estava o olhando um pouco demais. Será que seria bom ir lá falar com ele? Sua mãe certamente não aprovaria, mas sua mãe também não teria aprovado o lance que tivera com o Diego se soubesse dele. Não que o Thomas fosse um lance. Jamais. Ele era apenas... uma incógnita. E incógnitas devem ser resolvidas.

Pare de fugir das coisas, Lia.

Talvez fosse bom o dar uma chance. Afinal, ele tinha salvado a sua vida! E tinha sido muito educado a respeito...

– O que tá lendo aí? - Perguntou Jéssica, chegando de repente e dando um susto em Liliane, que quase caiu pra trás na cadeira. Seu reflexo número um foi tentar esconder o bilhete no sutiã, sem brincadeira nenhuma, mas então lembrou que tinha três blusas justas a impedindo de o alcançar. E então também lembrou que enfiar coisas no sutiã na frente dos outros não era lá muito adequado.

– Nada, só anotações da aula. - Ela foi rápida em dizer.

Jéssica zombou.

Anotações. Sei. Você nem tava ouvindo o que a Rosângela estava dizendo, você estava é desenhando que eu vi. Deixa eu ver o desenho!

O desenho de verdade estava bem guardado na pasta e bem longe das suas mãos gordurosas, muito obrigada.

– É- É que é pessoal, sabe? - Disse ela, segurando o papel contra o peito e engasgando com as próprias palavras. Jéssica pareceu decepcionada, mas apenas assentiu com a cabeça e saiu de cima. Isso era porque estava tentando ser delicada com Liliane naquele momento. Em outra época, ela não teria desistido e teria até tomado a folha da mão de Liliane só pra saciar a própria curiosidade. Liliane a conhecia bem demais.

– Entendo. - Disse Jéssica, e Lianne teve certeza que não entendia. - Sabe, a nossa página no instagram podia ter uma desenhista, sabe? Se você quiser. O nome é PatenteSecrets. Seriam eu, você e a Alice.

Outro arrepio.

– É... talvez. - Disse, quando queria dizer "nem pensar".

Logo atrás, novamente, veio Diego, com seu sorriso ridículo na sua cara ridícula, trazendo a mochila nas costas. Liliane foi notar só naquele momento, em que estava mais desperta, que seus cabelos castanhos tinham crescido muito desde os três meses que esteve fora, e que ele estava mais bombado. Ele fez um sinal para que Jéssica os deixasse sozinhos, e ela foi, toda sorridente. Liliane queria poder esganar os dois.

Ele sentou na cadeira atrás dela e a arrastou para ficar mais próximo.

– Sabe, Lianne, eu estava pensando... e eu acho que você tem pensado também.

Lianne piscou, sem conseguir esconder o deboche. Bela escolha de palavras.

– Estamos sempre pensando, Diego. - Ela retrucou, se levantando e colocando sua bolsa nas costas. Ele se levantou também, apressado.

– Eu estava pensando na gente saindo de novo, sabe? Como nos velhos tempos. - Ele falava rápido. Sabia que ela queria ir embora dali o mais rápido possível.

Ela estava visivelmente desconfortável.

– Eu não sei, Diego... Olha, eu tenho que ir. - Eles estavam sozinhos na sala, e ela estava agoniada. Não gostava da ideia de ficar sozinha com ele de novo, em lugar nenhum.

– A gente podia fazer isso dar certo, Lia! Como se você nunca tivesse... feito o que você fez.

AH, SEU MERDA.

– Eu tenho que encontrar alguém.- Disse, dando desculpas rápidas para ir andando até a porta. Ele, no entanto, foi mais rápido e parou na frente dela com os olhos azuis meio arregalados.

Quem? - A voz dele soava preocupada, e ela estava se irritando.

– Não importa. Com licença. - Ela tentou sair mais uma vez, e mais uma vez ele barrou sua tentativa. Aquilo estava realmente a deixando agoniada.

– Pelo menos diz que vai pensar no assunto. - Ele pediu, levando tudo na brincadeira e fazendo biquinho. Ele provavelmente se achava fofo.

Queria cortar esse biquinho com uma tesoura.

– Eu vou pensar no assunto. - Ela mentiu, com a voz falsa mais tolerante que conseguiu achar dentro de si.

E então ele a deixou passar pela porta.

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