Portão Da Escola

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Thomas comeu a comida tão rápido que mal prestou atenção no que estava fazendo. Dessa vez, sua mãe não reclamou, justamente porque ele estava praticamente atrasado para a escola e não tinha se programado adequadamente.

– Tem molho no seu queixo! - Avisou a mãe dele, dona Marcela, enquanto acalentava um dos seus dois filhos mais novos no colo, com carinho, mas também um pouco de impaciência. O pequeno Caio se recusava a dormir!

Thomas limpou o molho com as costas da mão enquanto arrumada o material do dia na mochila. Não tivera tempo para fazer isso antes porque tinha dormido nos próprios livros, estudando para as temidas provas de Abril. Thomas gostava muito de estudar, mas ter que combinar isso com seu trabalho de meio período, dois irmãos mais novos e um pai doente não era brincadeira. Para sua sorte, poderia ser descrito como um jovem brilhante!

Thomas Ramalho era um garoto mui inteligente, isso é certo. Ele passou em segundo lugar numa bolsa de 100% para estudar na melhor escola da sua cidade, a Patente, e isso sem ter tanto tempo para estudar como muitos dos outros alunos que concorreram tiveram. Ele era um garoto magro, mas forte, apesar de não fazer muito atividade física. Sua pele era bronzeada, e seus olhos eram de um castanho tão claro que pareciam ter saído de favos de mel. Thomas Ramalho tinha uma obsessão muito clara na vida: Passar no Enem para medicina. Ele pretendia ser o melhor Neurologista que poderia ser, e esse era seu objetivo de vida.

Sua segunda obsessão na vida já não era tão alastrante, mas ocupava lugar significante no seu coração. Seu nome era Liliane Amato, seu enigma favorito.

Thomas conheceu Liliane no quinto ano do ensino fundamental. Ela tinha acabado de se mudar para a escola Santa Maria, e, já naquela época, ela era a menina mais linda que ele já tinha visto na vida. E, como ele descobriria pouco tempo depois, também a mais curiosa. Ela vivia triste, cabisbaixa, apesar de ter tanto respeito das pessoas populares e dos professores. A mãe dela era advogada, riquíssima.. Seu pai a abandonou quando tinha cerca de três anos para viver com outra família, mas esse é o tipo de ferida que fica mais fácil de lidar com o tempo. Ainda doí, mas fica mais fácil de lidar... mas não foi o caso de Liliane. Ela continuava sendo a mesma menina cabisbaixa, tímida e oprimida que era desde que Thomas a conhecera, e ele só queria saber porque. Ele gostaria de saber o que ele poderia fazer para ajudar.

Sabe, desde que Thomas era pequeno, ele anda de bicicleta até o Lago Esquecido sem nenhum aparelho eletrônico além da sua pequena lanterna vermelha. Ele ia lá para ler seus livros preferidos e ficar observando a lua e as estrelas. Ah, ele poderia ficar fazendo isso por horas e horas e horas... E então, justo num dos dias em que ele estava indo passar o tempo no seu pequeno "lugar secreto", a garota por quem ele sempre foi apaixonado salta de roupa e tudo dentro do lago e demora tempo demais para sair de lá. Sendo sincero, Thomas não via nenhuma outra explicação além da mão de Deus para aquele acontecimento. Deus permitiu que ele salvasse Liliane, e ele era absolutamente grato por isso.

Thomas estava começando a pensar que poderia ter uma missão no mundo com aquela garota. Porque ela entrou no Patente com ele, porque eles viviam se encontrando nos corredores, porque já tinham estudado juntos no Santa Maria, e agora aquilo. A maior ocasião de todas. O mundo parecia chamá-lo para ela, e Thomas não recusaria um chamado do mundo.

— Anda logo, cabeça de ovo! - Chamou seu outro irmão mais novo, Paulinho, que estava esperando que ele o entregasse na escola no caminho pro Patente. Thomas mandou ele ir se lascar, mas não exatamente com essas palavras, e a mãe o repreendeu por isso.

Ele chegou na escola preocupado, com a bolsa virada para frente, revirando ela por todo canto enquanto andava. Nem deu bom dia pro guardinha que ficava no portão, o que era seu costume de sempre, de tão concentrado em que estava. Perto do portão estavam parados Rita, André e Caio (sim, como seu irmão), seus amigos mais próximos desde sempre, que foram se encontrar com ele com as testas franzidas.

– Ei. - Saudou Rita, se aproximando. Ela era uma garota gordinha, de cabelos vermelhos não naturais e muito cacheados e volumosos. Ela tinha pequenas sardas em volta de todo o seu nariz. - O que está caçando nessa bolsa?

– Minha carteirinha. - Ele explicou, sem tirar os olhos da mochila, quase a virando do avesso.

– Será que você não perdeu pro traficante e não se lembra? - Brincou Caio, um rapaz baixinho, magrelo e branco que usava calças largas demais. - Você vive fazendo isso com as coisas.

– Nenhum traficante ia querer as minhas coisas como pagamento. - Retrucou Thomas.

– Você acha que perdeu no ônibus? - Perguntou André, um rapaz negro, de maxilar forte, alto e que tinha sido o primeiro lugar para ganhar a bolsa de 100% do Patente.

– Não, hoje eu paguei o ônibus em dinheiro. Devo ter esquecido em casa...

– Thomy, Thomizinho, cala a boca agora mesmo! - Exclamou Rita.

Thomas franziu o cenho e estava prestes a perguntar o que foi, quando finalmente olhou para onde seus amigos estavam olhando. Bem, seus amigos e metade da escola. O motivo dos olhares era uma menina insegura entrando sozinha pelo portão.

– Uau. A gloriosa volta de Liliane Amato. - Disse Caio, com ironia. - Será que a mãe dela esteve a ensinando como não pular de ladeiras à chineladas?

Sabe, Caio era um merda às vezes.

– Vai se foder, Caio. - Disse Thomas, com rispidez.

– Não acho que a mãe dela bate nela de verdade. - Comentou Rita, ignorando a resposta de Thomas – Ela é rica demais pra isso. Quando ela faz besteira, a mãe dela deve tomar chá com ela pra conversar ou algo assim.

- "Ah filha, se matar é errado! Dois dias sem televisão." - Disse Caio, com uma voz afetada, e depois rindo com força da própria "piada".

– Eu ouvi dizer que a mãe dela é bem rígida, na verdade. - Comentou André, com um pouco de pena na voz. Mas Thomas já estava com raiva.

– Vão se ferrar, todos vocês! Deixem ela em paz!

Caio soltou outra gargalhada.

– Cara, já deixou de ser fofo a muito tempo o quanto você se importa com alguém que está 100% nem aí pra você.

– É verdade, Thomy. - Concordou Rita, com veemência – Tipo, você literalmente salvou a vida dela e ela não te escreveu nem a porra de um bilhete de agradecimento. Liliane Amato ou é maluca, ou é uma mimadinha do caralho que se jogou no fundo do lago sem querer, só pra chamar atenção.

– Vocês não estavam lá! Não viram o que eu vi!

– É, você já nos contou o que você viu, cara. - Retrucou Caio, com mais paciência. - E o que você fez foi incrível, mas não nos peça pra simpatizar com aquela garota, porque ela tem sido uma vaca desde sempre, e nossa opinião não vai mudar agora só porque está bancando a depressiva.

– Thomy, ela é só mais uma dessas garotas que acham depressão e problemas mentais legais e que quer bancar a suicida no Twitter, tirando a fala de muitas pessoas que realmente sentem essas coisas. Não tente se aprofundar muito nessa garota, pois aposto como não achar merda nenhuma.

Thomas bufou, olhando para André, que costumava ser o mediador de todas as discussões, e também costumava estar sempre do lado certo.

Porém, dessa vez, ele apenas disse:

– Nem olhe para mim, cara. Não tenho nada a ver com isso.

Thomas soltou um longo e audível suspiro.

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