A água flui para sempre. A água na verdade faz parte de algo maior que ela mesmo e mesmo assim flui para sempre, com a liberdade de um pardal. A água e o tempo comandam a sociedade e sempre comandaram. Onde há água, há pessoas e quando há tempo, há progresso.
Numa data indeterminada na história da Terra, existiu ou ainda existe uma menina que o seu passa tempo era tomar banho. Ela não se limitava apenas a lavar o seu corpo. Ela fazia da água o seu habitat natural. Dançava, cantava, sorria e chorava, adicionando mais água aquilo que era o suficiente para encher uma piscina.
Ela chorava no banho porque ninguém a conseguia ver, porque no seu dia a dia chorar iria alarmar as pessoas para um eminente precauso, e quem a pode culpar? As pessoas passam tempos e tempos a trabalhar ou a dormir, ela apenas queria tomar banho!
Garota de tempos esquecidos adorava sentir a água passar entre os seus cabelos longos e no seu corpo esguio, deixando levar as suas inseguranças para um sítio onde eventualmente iria voltar, adorava também o som da água a despedaçar-se por entre seus dedos, vidros que não causavam dor pois a dor do dia a dia já chegava.
Quando ela não tomava banho, apenas escrevia no seu diário o que sentia e depois queimava as folhas escritas, como uma forma de manipular o tempo.
Todas as manhãs, quando ia para a escola, pegava a sua mala bem devagarinho, esperando pelo momento certo para sair de casa e não encontrar ninguém e ao mesmo tempo escondendo a sua timidez eminente. A menina que tomava banhos imensos não era a mesma que pela calada noite, voltava para casa depois de um dia a não ser ela mesma.
E chegava, despia o casaco, depois as roupas, depois a máscara e molhava a cara em águas verdadeiras.
Chorava baixinho mas chorava tanto, mas não dava para distinguir as lágrimas da água corrente, e essa é uma razão pela qual ela adorava tomar banho. As ações não são evidentes nem os sentimentos são notados. Os barulhos não são ouvidos porque são censurados pela liberdade fluente. São tempos puros contigo e alguém com experiência a ser ela mesma desde que somos seres vivos!
Na escola, viu um cenário que nunca pensou em reparar e cismar sobre. Era uma funcionária da cantina da escola, fazendo comida, com uma expressão trancada de alguém que está farto do seu trabalho e que a vida é como água e azeite. Nessa mesma noite, enquanto se banhava em águas claras, pensou em como a senhora levava o seu trabalho. Levar a nutrição para as crianças é um trabalho nobre e não é para todos. Num mundo tão vasto e tão insignificante, onde o teu papel faz uma pequena diferença todos os dias, é no final das contas, uma grande personagem e só os sorrisos contam. Ser gentil deixou de ser algo que se queira gabar e começou a ser algo visto como peculiar ou razão para troça.
-Mãe, as pessoas tem sentimentos que não controlam, mas em cima disso, o que elas fazem? - pergunta a garota bastante interessada e intrigada.
-Algumas se afogam em si mesmas, outras na droga e no álcool, outras são carregadas aos ombros por outras que no fim acabam por desmoronar. No final das contas, essas pessoas ainda não se encontraram!
Essa última frase persistiu na cabeça dela durante longos tempos. O que significa encontra-se? Por mais que se pense nisso, é tudo uma questão de tentar encontrar um sentido, se não o suicídio ou então a rebeldia.
Na escola, não falavam sobre isso. A inocência da garota gradualmente se desfez em vários grãos de memórias com a chegada da pubredade. E a duvida persistiu ainda mais ao longo do percurso da sua vida. No banho ela se sentia evergonhada de ser ela mesma, não por bullying ou por achar que estava gorda, mas por não entender o ser humano, pensando assim que não fazia parte da espécie. Alienizava-se completamente e compartilhava histórias e linhas de pensamento com os colegas que a afastavam porque não queria falar sobre os rapazes mais bonitos da turma, num ato de superficialidade que lhe metia impressão, por ser completamente distinto à água e ao banho, que era livre de julgamentos.
No final a escolha é dela!
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A garota dos pensamentos em água
Mistério / SuspenseUma garota que ainda não se encontrou, apenas se segura na água dos longos banhos que toma onde tudo faz. Ela embarca num mistério introspectivo e explora a natureza humana assim como as histórias da vila em que vive!