Flores

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-Eu gosto de destruir flores. Uma a cada 5 dias sem faltar. Foi a forma que eu encontrei para desanuviar e tentar esquecer tudo. Por vezes piso nelas, outras vezes queimo-as e elas desaparecem em segundos da existência, outras vezes apenas as arranco até à raiz e vejo elas simplesmente a apodrecer no chão, insignificantes. – confessou Thlípsi para a garota dos pensamentos em água, sem medo algum, numa voz sem som que desvanece-se no ouvido lentamente.

Elas eram amigas de infância, conhecidas nas ruas e encontradas nas ruas.

Thlípsi era baixa e vestia um macacão perto em cima de uma camisola branca frequentemente. Tinha olhos cinzentos, sem cor. Um cabelo preto e longo, brilhante e ofuscante mas injucundo.

- Sabes eu odeio-te – disse a garota – tu és a personificação de tudo o que eu odeio neste mundo. Mas por isso eu te entendo. Não consigo entender mais nenhum ser humano para além de ti. Simpatizo contigo, conecto-me. Mas eu não gosto de ti.

- Eu também te odeio. És a coisa mais simples e irrelevante no mundo e sinceramente estou contigo para passar tempo.

As duas se olharam e sorriram uma para a outra. A noite se tornou mais clara e percetível para as duas.

A Thlípsi questiona:

-Achas que é suposto sermos egoístas?

-Não.

-Tudo aquilo que temos à nossa volta é a materialização dos nossos pensamentos. São sonhos que pessoas tornaram realidade por dinheiro e fama. Para mim isso é egoísmo!

-E nós somos alvo de centrismo?

-...

-Poucas pessoas sabem o nome do inventor da televisão e mesmo assim a utilizam. No final das contas o egoísmo causa mais consequências a curto prazo do que a longo e é algo supérfluo.

-Tu és fútil.

-Tu não és?

- Eu quero me tornar especial! – disse esperançosa.

-De que forma?

-Me tornando feliz!

E de repente a noite é interrompida por um estrondo audível pela cidade inteira, perto da região semi-rural onde se sentavam as meninas. Uma mansão abandonada tinha acabado de se incendiar sem motivo visível. Ninguém na cidade ligou para o assunto, estando ainda adormecida.

A garota dos pensamentos em água, apesar de nunca ter visitado a mansão ou sequer se ter aproximado dela, achou ela estranhamente familiar.

Ela começou a correr para a mansão sem motivo aparente e sem dizer uma única palavra. A mansão estava em chamas, o coração da menina foi movido por carvão.

Preocupada, Thlípsi correu para ela, agarrando a mão e disse:

- Para, o que estás a fazer?

- Não sei, só sei que tenho de lá ir!

- É perigoso, não vás. Encontra a tua flor para destruir, a decisão é tua.

Então ela correu para a mansão enquanto Thlípsi se desmanchou em pranto.

Lá dentro, nada se via se não as labaredas do diabo. O fumo que de lá saia era como uma cegueira só que mais desgastante. A mansão tinha umas escadas partidas escuras e os moveis começaram a cair, sobressaltando a rapariga. A menina, entre os escombros seguiu em frente sem ver absolutamente nada, nadando em seu destino. Viu uma porta aberta e entrou. A sala não estava em chamas. Tinha um papel de parede vermelho com padrões castanhos, uma sanita enferrujada e suja, uma banheira peculiarmente preta e um lavatório com um espelho por cima. Quando a garota olhou para si mesma, teve calafrios e cismo sobre a possibilidade de antes ali ter estado, mas não se lembrou de nada. Em cima do lavatório, pousado um caderno, que quando ela abriu, estava escrito mas em bom estado.

Meteu o caderno entre seus braços e correu dali para fora, abraçando Thlípsi que a estava esperando e foi para casa!

A garota dos pensamentos em águaOnde histórias criam vida. Descubra agora