O Encontro

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Chicago, 23 de abril

Por aquelas mesmas ruas, dois séculos atrás, cavalheiros arrebentavam o movimento com seus acenos de chapéus exultantes sobre as carroças puxadas por duas parelhas de cavalos, troteando em direção à cidade vizinha. Traziam na mão cartas e flores apaixonadas, ainda que castigadas pelo tempo de percurso, e entregues às amadas após grandes sulcos e desafios na estrada de chão. O que elas não sabiam é que, pelo caminho, encontravam farpas. Demonstrações do inimigo oculto não eram poucas, assim como as lutas por aclive, soberba e poder. Todos queriam estar no topo. Todos, sem exceção. E chegavam à casa de suas amadas machucados e doloridos, clamando por atenção. O tempo passado retornava ao coração desses já idos senhores, e confrontavam com a beleza exultante e austera dessa nova vida em formação que se edificava, formava e transformava tudo em volta. O tempo mudou. Porém, o coração daqueles que ainda se apaixonam, guerreiam e matam, não.

Por ora, a cidade americana de Chicago, no condado de Cooks, é a cidade mais populosa de Illinois. A junção de cidade industrializada com a leveza contínua de seus diversos parques atrai milhares de visitantes todos os anos, assim como sua tradição de ser pioneira na arquitetura nos Estados Unidos. A cidade foi berço de Michelle Obama. E Christine Fernandes. O fato de ambas terem nascido aqui poderia ser uma hipótese para eu ter escolhido a cidade, se não fosse o fato de eu ter encarado o mapa cerca de um ano antes e atirado com convicção o alfinete sobre o estado. Tenho um senso de escolha incrível: acertei justamente no lago Michigan, então fiz minhas malas e comprei passagens até Chicago. Assim que chegamos, o clima fresco de outono tapeou-nos o rosto e levantou um mar de folhas secas para cima, abrindo o caminho pelo qual passávamos. Eu e minha melhor amiga rimos e escolhemos um apartamento prático e confortável na Rush Street, e comemoramos tomando champanhes por dois dias. Estávamos numa nova vida. Meu emprego veio duas semanas depois. E apesar de ser de uma classe média considerável no Brasil, eu gostava de me aventurar no mundo, ficar off-line, desfrutar de uma nova cultura. Qualquer atração nova era perceptível e, por conta disso, os assuntos os mais variados. Íamos de uma simples conversa sobre nossos pais a uma mais estruturada, sobre, Deus me perdoe, constelações.

-Sabe a Constelação de Andrômeda?

Eu repuxo o rosto.

-Onde ouviu falar sobre isso?

-Na aula de história. Já ouviu falar do observatório?

Penso em falar que não. Nunca ouvi nem tive pistas de algo relacionado a isso. Mas rapidamente me sinto em modo alerta.

-O que houve?

-Shh. Fique quieta.

De repente, me sinto melhor apenas observando. Sem palavras demasiadas, ou ideias trovejando na cabeça. A sensação do total domínio sobre minha mente é maravilhoso. Em frente a uma loja de souvenirs, eu saboreio a sensação de sentir-me atraída. Ali, em frente a um mar de gente, está o reflexo ideal da elegância e exatidão. Pelo menos à primeira vista. Observo um homem sorrateiramente fiel à sua postura fazer um sinal para alguém entre as pessoas, e dissipar-se. Penso estar ficando louca, e isso é plausível especialmente porque não pisquei o olho. Não sou de reparar muito, mas as pessoas daqui parecem ter um soul característico.

Por isso, agradeço copiosamente por ter uma bela mãe sempre ao telefone, e essa amiga que percebe tudo pelas lentes de seu Oakley Deviation. Ela sorri e anda comigo por entre as pessoas. Eu pergunto:

-Suzanne..Você viu ele?

Tenho muita sorte de ter ela. Ela verifica ao redor com a precisão de uma águia.

-Me siga.

Eu a sigo. Entramos no souvenir.

-Qual a sua altura?

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