Antepassados

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Temperamental;

Gosto da maneira como essa palavra deixa os meus lábios. Um jeito pretensioso, sutil de descrever o que os outros costumam pensar sobre a minha pessoa. Uma mitigação forçada, como se a idiossincrasia resumisse todos os meus trovões em simples definições baratas.

Recentemente finalizei a leitura de Lolita, a maneira enfadonha e rebuscada que Nabokov disserta suas obras é bastante linda, porém não é algo que me agrada atualmente. Creio que requintar o vocabulário não é exatamente uma linguagem dos tempos atuais, levando em consideração o mundo onde pregamos a acessibilidade e entendimento de todos. Foi-se a época onde apenas a elite tinha acesso ao estudo. Infelizmente a literatura segue sendo uma área elitizada, talvez seja por isso que ainda considero Na Hojoon um ser de outro século, compreendê-lo ao redor desses anos tem se tornado um dos meus mais difíceis objetivos.

As pessoas são assim mesmo, pleonásticas e difusivas, papai uma vez me contou; Um homem multisciente possui mais possibilidades de se sair bem na vida, num mundo cujo qual a impassibilidade é uma das grandezas mais cobiçadas. Levei exatos sete anos para poder adquirir maturidade de interpretar essa frase. Penso que poderia ter sido muito mais simples se ele tivesse utilizado de outros palavreados, principalmente se tratando de que estava lidando com uma criança que sequer sabia escrever as primeiras iniciais, mas acabo relevando quando lembro que expressão oral nunca fora uma de suas especialidades.

Papai era sem dúvidas o ser mais inteligente que já conheci, ele só não sabia direito como externar o seu entendimento. Era introspectivo, acho que uma das poucas coisas que podemos nos assemelhar.

Repetir essa oração me parece tão vazia sem ele, o autor desse e de outros milhares de versos capazes de inspirar qualquer indivíduo. Não sinto saudades, não sinto tristezas, sinto mágoa. Buscava tentar absorver esse seu ensinamento todos os dias, até compreender que esse traço repetitivo faz parte da aura que compõe o meu ser, eu sou redundante, minha mente é um vai e vem de memórias e futuros atos. Até hoje procuro por um sujeito que possua esse caráter, mas parece que quanto mais penso, mais acabo percebendo que isso é tão Na Hojoon.

Posso dizer que ninguém nunca superará a sua perda, mas mesmo assim procuro seguir em frente, ciente de toda a sua falta. É cansativo demais lembrar dele, talvez eu devesse simplesmente esquecê-lo de uma vez por todas.

O que faço agora?

Provavelmente pintar quadros, ou me divertir com a curiosidade exorbitante do serzinho cativante que trabalha com Donghyuck. É uma proposta tentadora, porém a visão de meu namorado concentrado em suas plantas de trabalho no momento me parece dez vezes mais sedutora e interessante.

E agora minha cabeça está doendo.

Acho que preciso de uma xícara de café.








XXX






François Boucher - 1703 á 1707

Circunstâncias // NorenminOnde histórias criam vida. Descubra agora