Aracena acordou poucas horas depois. Assim que abriu a porta uma criada lhe informou que sua presença era solicitada nos aposentos da rainha. O rei ainda estava acordado ao lado da mãe, que agora já estava desperta. A febre tinha baixado, mas a senhora tinha dificuldade de respirar.
A feiticeira murmurou um feitiço, preparou um medicamento e logo a respiração da monarca se regularizou, ainda que de maneira fraca. O rei observava todos os movimentos da jovem atentamente e em silêncio.
Quando a rainha falou, sua voz era fraca:
- Obrigada, minha jovem. Já me sinto melhor. A senhorita já pode ir, aproveite a estadia - ela se voltou para o filho. - Você também pode ir Osmaris, precisa descansar.
- Mas minha mãe... - tentou protestar o rapaz.
- Suas obrigações são mais importantes do que uma velha doente. Joana me fará companhia e providenciará tudo que for preciso.
A criada que buscara Aracena estava à porta pronta para levar a jovem ao grande salão, onde era servido o desjejum. À menção de seu nome lançou à curandeira um olhar de desculpas por abandoná-la e dirigiu-se à beira da cama da madame, com uma reverência. O rei assentiu e levantou-se, beijou a testa da mãe e saiu do recinto acompanhando a garota.
Depois de alguns minutos em silêncio, o rei disse:
- É muito talentosa, Srta. Aracena.
A garota sobressaltou-se ao ouvir seu nome, o rei se lembrava.
- Fui ensinada a identificar doenças e tratá-las a vida inteira, meu senhor.
- E no entanto, cuida dos seus pacientes como se fossem da sua família. Eu já vi outros médicos trabalhando e nenhum deles agiu com tanto carinho.
A jovem sorriu.
- Esse, na verdade, é o ingrediente secreto para uma boa recuperação. O carinho com que tratamos um enfermo às vezes é mais poderoso que qualquer remédio. O amor com que o senhor cuidou de vossa mãe esta madrugada também será de grande importância para sua melhora.
O olhar do rapaz se perdeu no fim do corredor por um momento e quando falou, sua voz transparecia uma emoção que ele tentava esconder.
- Minha mãe sempre foi meu porto seguro. Depois de seis filhas, meu pai já havia perdido as esperanças de gerar um herdeiro, então quando eu nasci foi como se todos os seus planos revivessem.
"O rei Gorisis investiu na minha educação desde cedo, para recuperar o tempo perdido. Eu entendo que ele queria me preparar para assumir o trono o quanto antes, caso alguma coisa acontecesse, já que ele estava velho, mas às vezes uma criança precisa ser apenas isso, sabe? Eu via os outros meninos da minha idade se divertindo enquanto eu tinha que estudar política, relações comerciais, língua élfica. E então minha mãe intervinha e persuadia meu pai a me deixar brincar um pouco.
"Ela sempre me contava histórias antes de dormir, sobre heróis do passado, princesas presas em torres guardadas por dragões e tudo que há de mágico neste mundo. Foi ela quem salvou a minha infância e a devo toda a minha devoção.
"Sei que por sua idade eu deveria me preparar caso o pior aconteça, mas sinceramente não consigo aceitar a hipótese de perdê-la."
Por um momento Aracena se esqueceu da figura que o rapaz representava e tocou-lhe o braço para consolá-lo.
- Ei, não vai acontecer nada, eu não vou deixar. Como eu disse, até o fim de semana ela estará curada.
A jovem então lembrou-se de que estava falando com o rei e afastou-se, murmurando um pedido de desculpas, mas o soberano apenas lançou-lhe um sorriso, como que dissesse que estava tudo bem.
Caminharam em silêncio por alguns minutos até chegarem ao Grande Salão. Àquela hora, todos os nobres já haviam comido, de forma que eles eram os únicos no recinto, além de um par de criados.
Comeram em relativa quietude, trocando poucas palavras quando necessário. Em um momento Aracena sentiu o olhar do monarca e levantou a cabeça, ele a encarava profundamente como se tentasse ler sua alma. A jovem desviou o olhar, encabulada.
Por fim, o rei levantou-se e disse-lhe que tinha assuntos reais para tratar, desejou-lhe que aproveitasse a estadia no castelo e retirou-se, deixando-a sozinha com os criados.
Após o desjejum, a jovem avisou a uma criada que iria ao boticário buscar algumas ervas que precisava repor e foi escoltada pelo mesmo rapaz que a buscara na noite anterior.
A carruagem chegou a botica atraindo olhares curiosos. Não era incomum que famílias importantes viessem ao local, mas aquele era claramente um veículo do palácio, com camélias entalhadas nas portas e o brasão real estampado nas vestes do cocheiro.
A curandeira entrou no estabelecimento e cumprimentou a prima, do outro lado do balcão.
- Bom dia Janan.
- Bom dia, querida prima.
- E o tio Driken, onde está?
- Na horta, cuidando das ervas. Em que posso ajudá-la?
- Preciso das ervas nessa lista e uma infusão de malva, limão e mel, além daquele toque especial.
- Vejo que suas companhias subiram de nível drasticamente - disse a garota, enquanto preparava a mistura.
- É só trabalho. Enquanto meu pai está fora, fui a escolhida.
A jovem boticária abaixou a voz para não ser ouvida além da prima e perguntou:
- Alguém da família real ou da corte?
- A rainha - respondeu a moça no mesmo volume. - Pneumonia.
- Pobre senhora, esperemos que o pior não aconteça.
- Você sabe que eu não vou deixar - completou Aracena com um sorriso confiante.
- Mudando de assunto, você chegou a ver o rei?
- Seria difícil não ver considerando que ele não saiu do lado da mãe.
- E ele é tão belo e grandioso como dizem? - os olhos da prima acenderam em curiosidade.
- Até mais, ouso dizer.
- Toma cuidado com ele Aracena - disse um rapaz que entrara no recinto por uma porta traseira. - Ele é conhecido por ser o mais devasso dos reis.
- Suerk! Que bom vê-lo também, primo.
- É sério, falo isso pelo seu bem. As más línguas dizem que vossa majestade já se deitou com todas as cortesãs das redondezas, viúvas tanto da corte quanto da plebe e, ouvi dizer, até mesmo donzelas.
- Que exagero, você sabe como são as fofocas.
- Pode até ser, mas eu não colocaria minha mão no fogo por ele.
- Seja como for, ele parece ser um jovem rapaz que teve de amadurecer muito cedo e lidar com um reino. E não é como se você não tivesse um histórico de depravação.
- Ei, eu não tenho essa fama toda!
- É claro, você é apenas o filho do boticário - intrometeu-se Janan, que havia terminado de preparar a mistura. - Aqui prima, deu cinco pilas.
- Obrigada Jan, mande um beijo para a família. Tchau Suerk e obrigada pelos sábios conselhos.
- Sempre a disposição.
A jovem voltou à carruagem e retornou ao castelo, onde foi verificar novamente o estado da rainha, ministrando o medicamento recém adquirido.
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A Bruxa de Ládica
FantasyAracena é uma jovem bruxa que trabalha como curandeira no pequeno reino de Ládica. Durante uma madrugada, seus serviços são solicitados quando a velha rainha adoece. Lá, ela conhece o jovem rei Osmaris, que se encanta pela moça, mas esse desejo pode...