Depois de sair triunfalmente do castelo, Aráckia seguiu para a floresta, em direção a morada da Velha Bruxa do Rio, afinal elas tinham contas a acertar. A cabana da velha senhora não mudara em absolutamente nada, os mesmos líquens cobrindo as tábuas das paredes, ninhos de pardais no telhado e a mesma aura sombria emanando do interior do casebre.
Com um movimento da mão a bruxa escancarou a porta e adentrou o recinto. Dona Megaira estava de costas para a porta no centro da sala, mexendo alguma mistura em seu caldeirão. Nem mesmo se importou em olhar quem entrava em sua casa com tanto alarde, apenas soltou uma risadinha e disse, em tom de repreensão:
— Creio que seu pai tenha lhe ensinado boas maneiras, Aracena.
— Meu pai está morto — respondeu a bruxa, com a voz inexpressiva. — Em parte por culpa sua.
— Sou culpada por muitas coisas, jovem Aracena — rebateu a velha virando-se lentamente. — Mas matar o seu pai não é uma delas.
— Pode não tê-lo matado de fato, mas sua morte foi apenas consequência dos seus atos — sua voz adquirira todo o ódio que sentia e uma pontada de melancolia, seus olhos brilhavam.
— Talvez, mas a sequência de fatos que levaram à morte dele não é inteiramente responsabilidade minha. O sangue dele está nas mãos de todos neste reino, inclusive nas suas.
A feiticeira engasgou, incrédula com a declaração da anciã.
— Perdão?
— Ora menina — a velha explicou-lhe com paciência, — se tivesse cedido ao desejo do rei, ele mesmo nunca teria procurado a minha ajuda. E se não tivesse choramingado, seu pai não teria tentado defender a sua honra, já manchada, diga-se de passagem, e não teria acabado na fogueira.
— Eu não consigo acreditar — falou Aráckia, exasperada. — Fui estuprada e a senhora diz que a culpa foi minha?
— É claro que a culpa não foi sua, foi do rei. Mas isso não isenta o fato de que se você tivesse tomado as atitudes que mencionei, nada disso teria acontecido.
— E não isenta o fato de que se você não tivesse ajudado o rei, nada disso teria acontecido também — rebateu a mais nova.
— De fato.
— E por que ajudou, se sabia que as intenções dele não eram puras?
— Minha cara — a velha pôs a mão sobre o rosto de Aráckia, — ninguém vem a mim com boas intenções. E não posso evitar de oferecer acordos justos a quem me procura, eu só quero viver.
— E olha o que o seu desejo fez com todos nós — a ex-curandeira praticamente cuspiu as palavras, seus olhos vibrando de ódio. — Um clã inteiro foi massacrado.
— Se serve-lhe de consolo, os homens do rei chegaram à minha porta também. Mas diferente do seu clã, que baixou a guarda durante os anos de paz, eu sempre me mantive alerta e destruí todos os que tentaram contra a minha vida.
— Você sabia que é muito raro que bruxas auxiliem humanos com suas magias? Nas minhas viagens descobri que a maioria do nosso povo é usuário de magia das trevas — ela havia andado pelo recinto e parado em frente a uma prateleira e examinava os artefatos da velha.
— Ora criança, mas é claro que sei. Eu mesma já andei muito por este continente antes de me estabelecer às margens deste rio.
— Que bom — falou virando-se para encarar a rival. — Creio que deva saber o que acontece quando duas bruxas entram em conflito.
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A Bruxa de Ládica
FantasyAracena é uma jovem bruxa que trabalha como curandeira no pequeno reino de Ládica. Durante uma madrugada, seus serviços são solicitados quando a velha rainha adoece. Lá, ela conhece o jovem rei Osmaris, que se encanta pela moça, mas esse desejo pode...