A Bruxa de Ládica

A Fuga

A luz da alvorada já avançava quando Lucena pôs a cabeça para fora da carruagem e ordenou que parassem. A viagem na frente era desconfortável e os condutores estavam exaustos. Jarsan adentrou a mata um pouco, para mantê-los escondidos.

— Precisamos fazer um funeral para seus irmãos — disse a matriarca, com o coração pesado. — Preparem uma pira.

O rapaz caminhou pelo bosque a fim de encontrar lenha e Aracena procurou uma clareira em que pudessem realizar os ritos fúnebres. Ela encontrou um espaço pequeno, que seria ideal: hera descia das árvores ao redor, formando uma cortina verde circundando todo o local. A moça então procurou por pedras, para que pudesse levantar um pequeno altar, de maneira a impedir que a pira incendiasse a floresta.

Enquanto isso, Lucena cuidava do filho caçula, que estava muito debilitado, devido à quantidade de fumaça que inalara. A mulher realizava constantes feitiços, mas sem suas ervas e poções, não havia uma melhora significativa.

O sol já estava alto no céu quando uma estrutura de madeira, que chegava a cintura de um adulto, rodeada por pedras escuras ficou pronta. Sobre ela, os corpos de Jardon e Solena jaziam paralelamente. Jeldim acordara e, embora ainda respirasse com muita dificuldade, insistira para estar presente. O garoto encontrava-se sentado com as costas apoiadas no largo tronco de um cedro, enquanto os irmãos e a mãe estavam em pé, ao redor da pira.

— As últimas horas têm sido extremamente difíceis — começou a matriarca. — Perdemos Jeifer e não pudemos nos despedir devidamente. Perdemos Jardon e Solena de maneira ainda mais trágica e, mesmo fazendo o que estava ao nosso alcance, não foi suficiente para salvá-los. Estamos vagando com uma criança doente, cansados, sem casa e nem recursos, sem nem ao menos saber o que será de nós, mas ainda temos uns aos outros... — sua voz falhou por um momento e lágrimas correram por seu rosto, que parecia ter envelhecido dez anos em uma noite. — Como dizia o meu falecido pai: mesmo que às vezes demore a chegar, a morte é uma velha amiga de nosso povo. Precisamos nos manter fortes e seguir lutando. E que os deuses nos dêem forças para continuar. Que Pladel receba Jeifer, Jardon e Solena em Shol'ema de braços abertos e que o Legado deles seja gentil.

Quando a mãe terminou de falar, Aracena despejou óleo de armásina sobre os irmãos. Ela extraíra a substância da árvore de mesmo nome enquanto Jarsan ainda preparava a pira e, acreditava-se que, enquanto o fogo consumisse o óleo em contato com o corpo, o espírito do falecido era liberado e seguiria para o reino espiritual.

— Pirifat — disse o rapaz, quando a irmã terminou de untar o que antes fora Jardon e Solena. Imediatamente chamas surgiram, crepitando sobre a madeira e, ao atingir o azeite, labaredas maiores se espalharam e engoliram toda a pira.

Jeldim começou a tossir com a fumaça que entrava em suas narinas e Lucena tratou de levar o menino de volta à carruagem. Todavia os outros dois continuaram a observar o fogo consumir os cadáveres daqueles cujas vidas haviam sido ceifadas no incêndio.

֎

Osmaris acordou em um leito que não era seu, num dos quartos de hóspedes. A luz do sol indicava que se aproximava da metade da manhã. Não sabia como chegara ali, uma vez que sua última lembrança era de um velho bruxo lançando-lhe um feitiço que o fizera desmaiar. A rainha sentava-se ao lado de sua cama, em vigília.

— Finalmente — exclamou ela, quando percebeu que o filho acordara. — O General Lircado me contou o que houve, mas não consigo entender.

— O pai da curandeira invadiu o castelo pedindo mais dinheiro e ameaçou dizer a todos que eu deflorei a filha dele se não pagasse — mentiu Osmaris, sentando-se. As duas criadas que estavam no recinto se encarregariam de espalhar a fofoca. — Quando me recusei, ele me atacou. Felizmente alguns guardas vieram ao meu socorro, mas o bruxo conseguiu matar muitos homens.