A Caçada

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Lucena entrou numa viela próxima e permitiu-se chorar, o luto pelo amado tomando-lhe os sentidos. Em seguida, foi invadida por uma onda de medo pela segurança de seus rebentos, que clareou-lhe os pensamentos. Precisava retornar o lar e proteger os filhos menores. Não sabia se os mais velhos estavam bem, mas mantinha as esperanças, uma vez que não estavam ardendo na fogueira com o marido.

Iniciou o trajeto de volta a sua residência desviando da concentração de pessoas. Sentia o coração pulsar descompassadamente enquanto lágrimas escorriam por seu rosto.

Ao virar uma esquina, deparou-se com alguns camponeses que ateavam fogo à casa de uma família bruxa e gritavam de entusiasmo.

— Aquela ali não é a esposa do bruxo que foi queimado? — falou uma mulher, apontando para Lucena, que gelou.

Um homem grande e gordo a encarou.

— É ela mesma — disse ele, caminhando na direção da presa com a tocha na mão.

Piricesa — proferiu a feiticeira e as tochas se apagaram. O fogo que já se espalhava pela casa recuou, mas demandaria maior tempo para se apagar completamente. Todavia foi o tempo que a mulher precisou para fugir, assim, correu para a rua de onde viera. O homem gordo a seguiu enquanto as outras pessoas reacendiam as tochas na construção incendiada, correndo logo atrás.

Lucena vagueou às cegas, dobrando em ruelas aleatoriamente na tentativa de despistar seus perseguidores. Vez ou outra lançava algum feitiço sobre objetos que encontrava para atrasá-los.

Foi quando virou na alameda que levava ao castelo que encontrou um esconderijo. As sombras de um casarão ocultavam uma entrada de serviço da luz da lua e a bruxa não hesitou em se camuflar na escuridão. Tirou a longa capa e a animou, ordenando-lhe que corresse em direção a travessa do outro lado da larga rua.

Poucos minutos depois, seus algozes apareceram a tempo de ver o manto desaparecer, seguindo-o sem pestanejar. A feiticeira esperou um instante e apressou-se em retornar por onde viera. Estava ainda mais distante de sua casa e, apesar de andar a passos largos, precisava verificar se não estava sendo seguida. Não poderia colocar a vida dos filhos em risco ao levar aquelas pessoas até sua porta.

֎

Aracena e os irmãos estavam quase chegando em casa quando avistaram uma claridade anormal logo a frente. Emergiram da mata aos fundos da moradia e viram que chamas lambiam as paredes do lar de sua família.

Ouviu-se um estrondo, como algo desmoronando lá dentro, seguido por um grito agudo. Era Solena. Jardon não pensou duas vezes e correu para o fogo.

Era difícil ver em meio às labaredas e a fumaça feria-lhe os olhos. A parte inferior da casa já estava quase completamente engolida pelo fogo e um pedaço do pavimento superior havia cedido.

— Solena — gritou o rapaz.

— Aqui em cima — ouviu a voz chorosa da irmã.

Ele correu pelo que restava da escada em direção ao lugar de onde viera o chamado da menina. As chamas já se espalhavam pelos cômodos superiores, mas o maior desafio era atravessar a cratera no chão do mezanino que levava aos quartos.

Jardon praguejou. Sentia-se fraco por abusar da magia mais cedo e tinha medo de recorrer a ela mais uma vez e não conseguir salvar a irmã. No entanto, não havia outra escolha. Decidiu canalizar o próprio fogo ao redor para lançar o feitiço. Era uma decisão ousada, mas se funcionasse seria muito eficaz. Concentrou-se e disse uma única palavra.

Pirisolum.

Uma passagem irregular se formou do próprio fogo e o jovem bruxo correu em direção ao quarto da irmã. Ela estava agachada, com uma capa cobrindo-lhe o nariz, o pequeno Jeldim jazia desacordado ao seu lado.

A Bruxa de LádicaOnde histórias criam vida. Descubra agora