Sentada na cama Helena não esboçava nenhuma reação. Não sabia se ela estava brava, muito brava ou com vontade de me matar. Eu estava em pé, acabara de contar para ela toda a verdade e acho que ela precisava de um tempo para processar tudo aquilo, acredito que foi pega de surpresa afinal a gente nunca espera ouvir da pessoa com quem somos casados por tantos anos que ela não nos ama.
Mas me permita voltar um pouco para toda a conversa, acreditem, foi bem tensa.
- A gente precisa conversar - falei. Helena me olhava assustada, enojada e curiosa. Ficamos em silêncio, ela esperava que eu dissesse algo e eu escolhia com cuidado o que dizer sem a magoar tanto quanto sabia que iria.
- Então... me diga - Helena disse. Por um minuto acreditei que ela soubesse do que se tratava aquela conversa, estava claro no olhar dela. Eu não conseguia formular uma frase sequer, tudo o que eu queria era sair dali e dizer que não era nada demais. Cogitei a idéia de não falar nada e viver a minha vida tranquilamente em uma grande mentira, afinal, vivi assim até aquele momento e qual a necessidade de mudar agora? Sei o que vocês devem estar pensando, que eu sou um covarde e que a Helena não merecia passar por nada disso e eu concordo plenamente com isso, se eu pudesse voltar no tempo e mudar toda essa história já o teria feito há muito. Acontece que não foi assim tão fácil, eu tive medo, fui obrigado a ser alguém que eu não queria e quando me dei conta as coisas saíram do meu controle. Já tinha uma família com dois filhos e uma mulher, precisei me matar pra poder viver e me encaixar nos padrões que meu pai me impôs. Já estava cansado de mentir, precisava ser feliz e por muito e muito tempo enrolei e me importei em garantir a felicidade de outros e não a minha.
Helena sentou-se ao meu lado na cama, segurou minha mão e me olhou carinhosamente. Ela dizia em seu olhar estar tudo bem.
- Seu olhar me diz "eu até gosto de você"... - começou a falar - mas só gostar não faz feliz quem te adora assim até doer - eu queria falar, mas ela me impediu tapando minha boca com seu dedo. Sorriu.
- Eu me trabalho pra ser otimista, mas se brinco de ir embora 'cê me deixa ir. Será que eu sou a melhor coisa da sua vida ou só o melhor que você conseguiu até aqui? - foi aí que me toquei de que ela estava usando uma música do Jão para se expressar. Ela sempre soube se expressar melhor com canções e poemas do que falando normalmente.
- Helena...
- Só me diz... em quem você pensa enquanto me beija? - agora ela falava séria, me olhando profundamente. A olhei. Cadu apareceu na porta e logo ela entendeu de que se tratava dele, sempre foi ele. Ele percebeu que a conversa ali era séria e então nos deixou a sós - É nele, não é? - afirmei balançando a cabeça. Ela sorriu como se já soubesse.
- Me desculpa, eu não consegui... juro que tentei, eu me esforcei pra te amar e por um tempo eu amei... mas eu não posso mais viver com isso preso em mim, entende? - eu falava de pé no quarto. Acho que nunca falei tão movido pela emoção quanto nesse momento. Helena ouvia calada, cabeça baixa.
- Achei que tivesse superado, mas quando o vi outra vez no almoço lá em casa entendi e percebi que nunca deixei de o amar - disse. Eu tinha acabado de dizer que ainda amava Cadu.
- Sempre soube que era dele que você gostava, estava tão claro na época da escola, mas acreditei que pudesse fazer você gostar de mim da mesma forma. Não consegui - Lena disse - eu não te culpo, não tenho raiva de você... acho que sempre soube que esse momento chegaria, sempre me alertaram sobre, mas eu quis acreditar que você me amava.
- Eu quis...
- Eu sei, eu sei meu amor... - ela estava de pé na minha frente - e sou grata a você por ter feito eu me sentir amada mesmo que não fosse da maneira que imaginava ser... você me deu ótimos momentos na vida, e acima de tudo me deu os bens mais preciosos na vida: nossos filhos - sua mão estava no meu rosto - eu fui muito feliz com você, obrigada. Mas agora chegou ao fim, e é o seu momento de ser feliz e quero que você seja - não evitei chorar naquele momento. Helena me abraçou apertado. Não esperava que ela fosse reagir daquela forma, foi tão gentil e compreensiva.
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CADU
General FictionCasado e pai de dois filhos, Caio volta para a sua cidade natal acompanhado de sua mulher afim de visitar seu pai doente e passar um tempo longe da cidade grande. Lá, ele reencontra o seu passado e o seu antigo amor de infância: seu melhor amigo, Ca...