CADU

CAPÍTULO 5 - EM PAZ

Andando pela casa silenciosa apenas com o som da chuva de fundo, revisitei lembranças que eu jamais pensei ter esquecido. Vi na parede a marca que deixei quando bati com a cabeça após correr e cair no corredor mesmo minha mãe dizendo pra eu não correr. Eu percebi então que em todas as minhas lembranças, ou pelo menos a grande parte delas, Cadu estava mais do que presente. A gente vivia juntos como se fossemos grudados um no outro. Isso era bastante perceptível já que tínhamos quase todas a mania que o outro tinha, como aquela péssima mania de falar ao mesmo tempo porque aparentemente nossos pensamentos estavam alinhados.

Indo para o meu quarto ouço alguém me chamar. Não havia ninguém no corredor além de mim e a voz parecia estar perto e longe ao mesmo tempo. Ouço outra vez. Dou dois passos para trás e a porta do quarto do meu pai se abre lentamente, era ele quem me chamava. Entro e encosto a porta, um pedido seu. Me sento cadeira ao seu lado e em silêncio eu fico, não sei o que dizer. Nunca fomos muito de conversar um com o outro, na verdade tudo o que a gente falava não passava do necessário ou dele me chamando a atenção por algo completamente irrelevante. Nossa relação era péssima, confesso, e eu nunca fiz nada pra mudar isso... ainda mais quando ele estragou a minha vida...

- Acho que.. nunca conversamos, não é? - ele disse - Eu não quero morrer sem antes me desculpar com você - Demétrio falava arrastado.

- Pai, não precisa... - interrompido.

- Não, eu tenho que te falar... nós não tivemos uma relação muito boa ao longo da nossa vida, nunca fui um bom pai pra você e eu sei disso - falava. Eu apenas em silêncio - sempre te chamando a atenção, te cobrando e exigindo demais... eu queria que você fosse o homem que eu nunca fui, queria que você se tornasse alguém melhor que eu - Demétrio dizia, uma lágrima rolava por meus olhos e pelos dele - e esse foi o meu maior erro. Eu não percebi que você não precisava ser o que queria, você já era alguém... alguém que nasceu pra ser.

- Eu só queria que você tivesse orgulho de mim sendo como sou...

- E eu tenho, eu tenho muito orgulho de você... Nesses anos todos você... - ele começou a tossir e agarrou minha mão - eu te fiz ser quem você não era... Caio, eu quero agora que você seja apenas você mesmo... não se esconda mais.. não seja como eu fui - ele disse olhando bem no fundo do meu olho. Eu chorava em silêncio. Demétrio apagou, dormia tranquilamente e eu o deixei no quarto.

Ouvir aquelas coisas do meu pai me pegou de surpresa, não esperava que ele se arrependesse e pedisse desculpas. Não era muito do feitio dele pedir desculpas pelos próprios erros.

Meu casamento com Helena foi inteiramente para agradar ao meu pai e acabar com o inferno que ele fazia na minha vida quando começou a desconfiar que eu gostava de garotos, ele fez com que eu e Cadu nos afastasse por um bom tempo. Todo tempo brigando e gritando, me fazendo sentir péssimo e obrigado a ir a igreja. Sabendo da minha amizade com Helena, logo arranjou um modo de nos juntar e o casamento veio pouco tempo depois. Ele dizia que não queria um desviado, um... não sei, uma aberração dentro de sua casa. Boatos e boatos se espalharam pela cidade que só se desfizeram após meu casamento, e eu não tenho dúvidas que ele os espalhou. Eu o odiei. Muito.

Não gosto de lembrar disso, por causa dele a minha vida se tornou uma grande mentira... eu precisei enterrar a mim mesmo por tanto tempo e algumas vezes, algumas noites, eu simplesmente chorava por me sentir sufocado, me sentir preso e só queria morrer e não ter mais que sentir tanta dor. Era uma dor interna, uma dor no coração... porque toda vez que eu o via e não podia falar com ele, abraçar ou sequer ouvir sua voz eu morria um pouco mais e o meu pai ficava feliz com isso? É horrível pensar, é horrível lembrar, mas o passado sempre volta e machuca mais.