Vinte e Oito

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Quando se diz que médicos são viciados em trabalho, era fácil me usar como exemplo: Eu amo o meu trabalho e vivo para isso. Mas novembro era o pior mês para mim. Com a chegada do inverno e a queda brusca de temperaturas, meu consultório ficava lotado. Minha agenda triplicava e eu tinha que trabalhar na ala de emergências durante a madrugada. Já estava há duas semanas nesse ritmo, pacientes agendados durante a tarde e emergências durante a noite toda. Eu chegava em casa 06:30 da manhã e tinha que sair às 09:00 para voltar ao hospital. Era extremamente exaustivo, mas era o que me fazia feliz. Aquela adrenalina me deixava com a sensação de satisfação, de que estava completa. Dormir era algo que eu basicamente não fazia durante essa época, assim como ver Vitor, já que eu não parava dentro de casa. Minha tia já estava acostumada com essa minha rotina, porém eu tinha medo de que meu namorado não se acostumasse com isso. Hoje era sexta-feira e eu tinha o final de semana livre, então decidi chegar um pouco mais cedo no hospital.

Ao chegar em casa, Vitor ainda estava dormindo e eu aproveitei para tomar um banho, estava cheirando a curativos e salas de raio x. Minha vontade de deitar-me ao lado de meu namorado era enorme, mas se eu me deitasse por apenas cinco minutos, cairia em um sono que ninguém seria capaz de me acordar. Meus banhos eram um pouco longos, pois aproveitava para fazer toda minha rotina de pele, já que me ajudava a relaxar e era o único momento que eu tinha no dia para aquilo. Meu cabelo tinha que sobreviver a dois dias ou mais sem ser lavado e, por isso, eu agradecia todas as manhãs à pessoa que inventou o shampoo seco, pois era o que me salvava diariamente. Ao voltar para o quarto, tentei ao máximo não fazer movimentos muito bruscos para não acordar Vitor, que dormia calmamente na cama. Minha roupa de trabalho ficava em uma parte separada de meu armário, assim como meus jalecos, pois era preciso que eles estivessem o mais limpos possível.

Mila? — a voz rouca de Vitor, de quem tinha acabado de acordar, surgiu no quarto, me assustando. Virei-me rapidamente para olhá-lo e ele estava sentado na cama, olhando em minha direção.

Ei, me assustou! — disse terminando de vestir minha camiseta. O homem bocejou ao se levantar e andou até mim, parando à minha frente.

Não te vi vindo deitar, que horas você chegou? — perguntou, antes de deixar um beijo em meus lábios.

Eu não dormi, cheguei agora pouco. — disse, virando-me para o espelho do guarda roupa. Vitor suspirou e sua expressão mudou, assim que ele me olhou pelo reflexo do espelho.

Já tomou banho? Vou preparar nosso café. — concordei com a cabeça e o observei deixar o quarto. Eu tinha poucos minutos para me arrumar, se quisesse tomar café da manhã com meu namorado. Portanto fiz uma maquiagem bem simples e penteei meu cabelo em um rabo de cavalo, calçando meus sapatos logo em seguida. Ao chegar na cozinha, minha caneca já estava com o café e um prato, servido com um misto quente, estava ao lado. Vitor estava concentrado nos ovos mexidos e só era possível se escutar os sons que ele fazia no fogão. — Você não dorme há dias, Camila. — ele disse assim que eu sentei-me. Encolhi os ombros e bebi um gole do meu café, observando o homem.

Vitor, eu estava trabalhando. Não posso fazer nada. — disse mantendo a calma enquanto comia meu sanduíche. O moreno virou-se para mim, deixando a panela de lado, e cruzou os braços ao apoiar-se na pia.

Eu sei disso, mas... — sua voz era calma, mas eu sabia que ele estava tentando ao máximo ter paciência. — A gente nem se vê mais. Eu sinto que namoro com o seu travesseiro e não com você!

— A gente já teve essa mesma discussão uma semana atrás. — disse ao deixar o misto quente em cima do prato. — Eu não vou me desculpar por fazer o que eu gosto.

SeñoritaOnde histórias criam vida. Descubra agora