06- Aproximação?

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" Quem ousou conquistar e saiu pra lutar, chega mais longe!"
Charlie Brown Jr.

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06 de Março de 2018 Londres
Te darei uma missão, a voz ecoou em minha mente, fria e implacável, como uma sentença. Quero que, durante esse tempo em que viverá em outro mundo, descubra "o que realmente é essencial para a vida dos humanos". Se você souber responder e suportar tudo o que acontecerá sem descumprir minhas regras, eu realizarei um desejo seu.
Aquelas palavras ficaram reverberando em minha cabeça como um mantra cruel, sem piedade, sem um único fio de compaixão. Eu sabia que a punição que estava vivendo era apenas uma fração do que o destino me reservava. A ideia de que tinha uma missão a cumprir não me dava consolo. Se eu não encontrasse a resposta, minha dor continuaria indefinidamente. E o mais doloroso de tudo: eu seria condenada a ver Nicholas viver uma vida plena com outra mulher, enquanto eu me afogava em minhas próprias lágrimas, em um abismo de arrependimento e angústia.
Acordei com o coração disparado, como se o peso da missão estivesse se tornando mais insuportável a cada respiração. Olhei fixamente para a ampulheta sobre minha mesa de cabeceira, os grãos de areia caindo lentamente, cada segundo levando uma parte da minha alma embora. O tempo estava passando rapidamente e eu... eu ainda não tinha encontrado a resposta.
Meus olhos se fixaram na ampulheta, e o tic-tac incessante do tempo me fez sentir como uma prisioneira, aprisionada pela própria incerteza. O que realmente é essencial para a vida dos humanos? Aquela pergunta me consumia, me devorava por dentro, e eu não conseguia encontrar nenhuma pista, nenhuma resposta clara. Minha vida estava em um estado de pura dissonância. Sabia que estava cumprindo minha punição ao ver meu marido com outra, mas essa missão... esse desafio... parecia ser o maior fardo de todos.
Se eu acertasse a resposta, teria o poder de escolher, de reescrever meu destino. Eu poderia voltar para Nicholas... Para sempre. Mas, não seria chorando nos cantos da minha casa que eu encontraria a solução. Eu precisava agir. Eu precisava lutar.
Acordei como todos os dias, minha rotina mecânica e sem brilho. Fiz minha higiene matinal, tentando não me perder nos meus próprios pensamentos. O café preparado por Marcela estava quente e reconfortante, mas mesmo ele não conseguia aquecer o vazio que eu sentia dentro de mim. Tomei o café junto com meus colegas de casa, mais por hábito do que por real prazer. Em seguida, segui até a estação de metrô, como todos os dias, sem realmente perceber o mundo ao meu redor.
Quando cheguei na empresa, a rotina parecia ainda mais sufocante. Caminhei até o mural para verificar os setores pelos quais eu era responsável. Vestiário feminino, Setor de marketing, Administração... e, para minha surpresa, a Sala da Presidência. Meu estômago se revirou com a menção da presidência, onde ele trabalhava, onde ele estava. O homem que eu amava, mas que agora parecia estar tão distante de mim, vivendo uma vida que eu não fazia parte.
Talvez... talvez essa fosse a oportunidade que eu tanto esperava para me aproximar dele. Meu corpo inteiro se arrepia com a ideia, mas logo um frio gélido percorre minhas veias ao pensar nas consequências. Eu sabia que a regra era clara: não interferir na vida dele. Mas o amor... ah, o amor não tem regras, não é mesmo? O amor se arrasta para onde o coração deseja, sem se importar com a dor ou com os limites impostos.
Eu o amava com toda a minha alma. E, se minha punição era assistir ele com outra, não podia simplesmente aceitar. Não dessa forma. Se havia uma chance, mesmo que mínima, de estar perto dele, eu tinha que aproveitar.
Coloquei meu uniforme de limpeza, como todos os dias, e comecei meus afazeres. Limpei os setores, com o som das vassouras e panos no chão sendo a única música que preenchia o silêncio da manhã. Limpei todos os setores rapidamente, antes que os funcionários chegassem, e deixei a presidência por último, como sempre. Nicholas costumava chegar mais tarde, o que me dava uma oportunidade.
Fui até o escritório dele, o último local da minha rota. Mas, quando cheguei lá, meu coração pulou na garganta. Uma mulher estava em frente à porta do escritório dele. Ela estava de costas, mas mesmo assim, era impossível não notar sua presença marcante. Ela tinha uma postura imponente, um corpo esbelto, e sua pele era da cor do café. Seus cabelos estavam arrumados em um black maravilhoso, e o terninho lilás que ela usava desenhava sua silhueta de forma perfeita. Ela parecia esculpida pela própria perfeição, como se cada curva tivesse sido moldada à mão, com um cuidado que só a genética poderia oferecer.
Ela parecia tão imbatível, tão impecável, que meu estômago se revirou. Cada movimento dela exalava confiança e força, um contraste tão doloroso com a fragilidade que eu sentia. Cada centímetro dela me lembrava de que ela era a mulher que eu não podia ser. A mulher que agora estava na vida dele.
Será que é ela? pensei, uma dor cortante me invadindo, apertando minha garganta, tornando impossível respirar com facilidade. Ela estava na porta de Nicholas. O homem que eu amava. Ela era tudo o que eu não era: jovem, bonita, forte, capaz de ocupar o espaço que eu um dia ocupei.
Ela se virou brevemente, e eu vi seu sorriso, cheio de autossuficiência. E então, o que eu mais temia aconteceu: ela entrou na sala de Nicholas, com uma graça quase cruel, como se fosse dona daquele lugar, como se fosse dona dele.
Eu me afastei lentamente, o peso do mundo se fazendo cada vez mais presente. Minha mente rodava, os pensamentos se confundindo. Como eu podia continuar com isso? Como eu poderia ser forte o suficiente para suportar o que estava acontecendo diante dos meus olhos?
E ainda assim, eu sabia que precisava descobrir a resposta. O que realmente é essencial para a vida dos humanos? Se eu soubesse, talvez eu pudesse... talvez eu pudesse reverter tudo isso. Mas, naquele momento, o único som que eu ouvia era o bater do meu próprio coração, ecoando em meus ouvidos, enquanto a pergunta ainda pairava no ar, tão distante, tão impossível de alcançar.
A mulher era branca, com olhos castanhos, levemente puxadinhos, reluziam com uma luz própria, e um sorriso doce e calculado se formou em seus lábios. Era o tipo de sorriso que não parecia genuíno, mas sim educado, cortês.
— Bom dia! O que desejas? — Ela perguntou com uma voz suave, mas com algo de distante e impessoal, como se já estivesse acostumada a tratar com subordinados.
Meu coração deu um pulo. A maneira como ela falou com tanta segurança, com tanta superioridade, fez minha garganta apertar.
— Vim limpar o escritório do Sr. Campbell. — Respondi, tentando manter a calma, mas sentindo uma onda de ansiedade percorrendo todo o meu corpo. Não sabia por que, mas havia algo nela que me deixava desconfortável.
— Ah, prazer! Me chamo Sophia, sou a secretária dele. — Ela disse, dando-me um sorriso amável, mas algo na maneira como ela pronunciou as palavras me fez sentir como se fosse uma intrusa naquele lugar. Como se eu não pertencesse ali.
— Eu sou Priscila, a ajudante de limpeza. — Respondi, tentando ser cordial, mas a sensação de inadequação parecia me consumir.
— Pode entrar. Daqui a pouco ele chega, e aí você limpa rapidinho, porque ele não gosta de pessoas estranhas na sala dele. — Sophia falou, com uma voz suave, mas com um tom de superioridade que me fez sentir ainda mais pequena. Eu apenas assenti, sem coragem de dizer nada mais.
Assim que entrei no escritório, um mar de lembranças se abalou em meu peito. O lugar estava exatamente como da última vez, mas havia algo diferente, uma tensão no ar que eu não sabia explicar. Como sempre, comecei a fazer o meu trabalho: tirando o pó das estantes, limpando os vidros, colocando um novo saco no lixo do banheiro. Mas, ao chegar na mesa, algo me chamou a atenção.
Os papéis estavam desorganizados, espalhados de qualquer maneira, como se alguém tivesse jogado tudo ali sem o menor cuidado.
Balancei a cabeça, um sorriso melancólico se formando no meu rosto. Mesmo em mundos diferentes, em tempos diferentes, Nicholas não mudava. Essa mania de deixar os papéis fora de ordem ainda estava lá, como uma marca registrada dele. Uma parte de mim sentiu um aperto no peito, como se a distância entre nós fosse cada vez mais insuportável.
Comecei a organizar os papéis de forma meticulosa, como eu costumava fazer antes. Coloquei tudo em ordem alfabética e comecei a colocar os post-its, exatamente da mesma maneira que eu fazia para ele. Lembrei de quando eu organizava tudo para Nicholas, nos tempos em que ele me chamava de "minha perfeccionista" e eu fazia tudo com tanto amor. Ah, como ele odiava perder tempo com essas coisas... Mas eu sempre cuidava disso para ele, mesmo sabendo que, por mais que ele fosse meticuloso em tudo, os papéis eram o seu ponto fraco.
Quando, de repente, a porta se abriu, o som do batente rangendo contra o piso gelado, revelando Nicholas. Ele entrou com os olhos escuros, cheios de irritação, o semblante fechado, quase como se eu fosse uma invasora.
— Quem mandou você tocar nesses papéis? Quanta ousadia. — Ele falou com uma voz carregada de raiva, e, ao ouvir as palavras, senti meu corpo todo tremer. O medo se espalhou por minhas veias como veneno, congelando cada célula de mim.
— Me de-desculpa, senhor. Eu só queria organizar como da outra vez... — Minha voz vacilou, mas eu a levantei, encarando-o de volta, sentindo o peso daquelas palavras reverberando em minha alma. Quando o olhei nos olhos, vi que ele suavizou um pouco a expressão, mas a frieza ainda estava ali, presente, inabalável.
— Então foi você que deixou tudo organizado no outro dia? — Ele perguntou, com uma curiosidade que soava quase desconcertante, como se tentasse se lembrar de algo que talvez estivesse enterrado em sua memória.
— Sim, senhor! — Respondi, a sinceridade transparecendo nas minhas palavras, mesmo com o coração apertado. Como eu desejava que ele se lembrasse de mim... de quem eu realmente era.
Ele cruzou os braços, e, por um momento, fiquei em silêncio, observando-o, tentando entender o que se passava em sua mente.
— Temos um impasse aqui! — Nicholas falou, colocando uma das mãos no queixo, o que me fez sentir como se ele estivesse prestes a me julgar, como se cada palavra fosse uma sentença.
— Como assim, senhor? — Perguntei, a ansiedade crescendo dentro de mim. O que ele queria dizer com isso? Por que toda essa tensão? O que havia de errado em ter organizado os papéis dele?
— Outra pessoa também afirma que fez esse trabalho. — Ele disse, arqueando uma sobrancelha, e, ao ouvir suas palavras, minha mente se encheu de dúvidas. Outra pessoa? Quem poderia ser? Quem mais estaria mentindo sobre isso?
Eu mordi o lábio inferior, minha mente em turbilhão. Por que alguém mentiria sobre algo tão pequeno, tão insignificante?
— Não tenho necessidade de mentir com coisas assim, senhor. — Comecei, tentando manter a calma, mas a tensão em meu peito era insuportável. Eu que fiz isso, pois eu costumava arrumar para meu marido. Ele sempre foi super organizado, não deixava nada fora de ordem...
Uma risada baixa escapou de minha boca, uma risada amarga que me fez lembrar de como as coisas eram antes. Mas quando se tratava de papéis... Continuei, meu sorriso se desfazendo ao olhar para os papéis espalhados. Ele não organizava nada, pois se não o fazia, acabava se perdendo no que estava fazendo. Balancei a cabeça, um gesto quase automático. Quando vi esses papéis desorganizados, me lembrei de como ele costumava deixar tudo assim e fiz o mesmo. Mas me desculpa, senhor, por ter mexido nas suas coisas sem permissão.
E naquele momento, algo dentro de mim parecia quebrar. A dor de lembrar do que um dia tivemos, do que um dia fomos, transbordou em meu peito. Tudo o que eu tinha era a memória. Tudo o que eu tinha eram as lembranças. E tudo o que ele tinha agora... era ela.
De repente, as palavras escaparam de meus lábios e, como se o mundo tivesse se virado de cabeça para baixo, eu me dei conta do que acabara de dizer. Eu havia falado demais... Tinha revelado algo que não deveria, algo tão íntimo, tão pessoal que me fez querer sumir dali. Eu tinha um marido... Eu tinha um marido. Por que, meu Deus, por que eu falei isso? Como pude ser tão estúpida? Eu coloquei as mãos no rosto, tentando me esconder do próprio erro, mas nada poderia apagar o que acabara de sair da minha boca. Priscila, você só fala merda.
Aquele silêncio pesado que se seguiu parecia durar uma eternidade. E então, como se tivesse percebido a brecha em minhas palavras, ele perguntou, com um tom sério e direto, quase acusatório:
— Você não é muito nova pra ser casada?
Meu coração disparou, e uma onda de calor subiu pelo meu pescoço. Ele tinha ouvido aquilo. Ele tinha captado o detalhe que eu tanto tentava esconder, e eu não sabia o que responder. A única coisa que me ocorreu foi mentir. A mentira escapou como uma proteção desesperada:
— Não, senhor, eu sou divorciada.
As palavras saíram da minha boca de forma automática, mas eu sabia que estavam erradas, que estavam longe da verdade, que estavam encharcadas de dor. E foi isso que eu vi no olhar dele, um brilho de pena que me cortou como uma faca afiada.
— Então eu sinto muito por ele, por ter perdido uma esposa como você. — Ele disse com uma suavidade que me deixou mais vulnerável do que eu jamais poderia imaginar. Oh, Nicholas... Por que tinha que ser assim? Por que ele tinha que me fazer sentir como se ainda houvesse algo ali entre nós? Ele então descruzou os braços e, pela primeira vez, ofereceu um sorriso, um sorriso que parecia cheio de pesar, mas também com algo de distante, como se estivesse tentando se distanciar emocionalmente.
— Mas vamos deixar assuntos triviais para outro momento. — Ele concluiu, desviando sua atenção para o ramal sobre a mesa. Disquei o número, apoiando o ombro contra a mesa, em um movimento que parecia ter a intenção de se afastar de tudo o que eu representava, e ao mesmo tempo, me aproximar do trabalho, da rotina, daquilo que me distanciava de nossas lembranças compartilhadas.
Eu o observei em silêncio, ainda imersa em meu próprio caos interior. Mesmo em sua frieza, em seu semblante sério e com a barba por fazer, Nicholas ainda era... ele. O homem que eu amava. O homem que eu ainda amava, apesar de tudo. Cada movimento dele, cada gesto, cada palavra parecia me prender ainda mais a esse lugar de dor e nostalgia. Era difícil, tão difícil, saber que eu não podia tocá-lo, alisar seu rosto, bagunçar seus cabelos como eu costumava fazer.
Mas então, ele se virou para ficar de costas para mim, e uma sensação inesperada surgiu em meu peito. A proximidade, a possibilidade de tocá-lo, de me aproximar de alguma forma... Era uma tentação tão grande, tão avassaladora, que eu não consegui resistir. Levantei a palma da minha mão com a intenção de tocá-lo, de sentir o calor da sua pele sob meus dedos, mas antes que pudesse fazer qualquer movimento, ele se virou abruptamente, e eu, envergonhada, rapidamente abaixei a mão. Meu rosto corou, e eu comecei a sacudir as mãos, tentando disfarçar minha vergonha.
— Ui, minha mão deu cãibra... — Falei, com um sorriso forçado, tentando esconder minha falha, minha fraqueza, mas o que ele fez a seguir me deixou completamente sem reação.
Nicholas pegou a minha mão, e uma onda de eletricidade percorreu meu corpo. Eu não esperava aquilo. Ele segurou minha mão com firmeza, e o simples toque fez meu coração acelerar de forma insustentável. A pressão dos seus dedos na minha pele parecia reacender algo dentro de mim que eu havia tentado esconder.
— Dizem que se você ficar apertando a mão, a cãibra melhora. Isso deve ser a circulação... Você faz algum exercício? — Ele perguntou, sua voz suave, mas com um tom preocupado que me fez estremecer. O simples fato de ele tocar em minha mão, de ele se importar, me deixou fraca. As palavras saíram sem vontade, como se fossem um reflexo de algo maior, de algo que eu mal entendia. Ele estava ali, tão perto de mim, e eu estava tão frágil diante dele.
Mas então, como se o destino tivesse decidido me torturar ainda mais, a voz de Sophia cortou o silêncio como uma lâmina afiada.
— Sr. Campbell, no que precisa de mim? — A voz dela soou repentinamente, e meu corpo se afastou dele como se estivesse queimando em chamas. Afastei rapidamente minha mão de Nicholas, e o horror de estar tão próxima dele me consumiu em um único instante. Ele se virou, totalmente indiferente ao que acabara de acontecer, como se a proximidade que acabara de surgir entre nós fosse um erro, um ato que jamais deveria ter acontecido.
Ele olhou para Sophia, seu olhar agora completamente focado nela, e então sua voz se ergueu, fria e autoritária:
— Sophia, se lembra daqueles papéis que foram organizados sem a minha permissão e que você disse que foi trabalho seu? — Nicholas perguntou, a tensão em sua voz aumentando de forma visível. Percebi que Sophia, pela primeira vez, parecia um pouco inquieta. Ela engoliu em seco, tentando manter a compostura, mas eu podia ver em seus olhos que ela estava começando a se sentir pressionada.
— Sim, senhor. O que é que tem? — Ela respondeu, mas sua postura estava menos confiante, como se começasse a perceber que as coisas não estavam indo como ela esperava.
E eu fiquei ali, observando tudo com um nó na garganta, tentando entender onde as minhas decisões me levariam, tentando encontrar algum sentido no caos que eu mesma havia criado.
Eu não sabia o que o futuro reservava para mim, mas, de uma coisa eu tinha certeza: não poderia mais viver em silêncio.

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