01- Ele era minha alma gêmea?

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"Dizem que em algum lugar no mundo sempre vai ter um alguém perfeito pra gente, mas não é sempre que vamos ter a sorte de encontrá-la"

Por mais incrível que pareça, eu havia encontrado a minha pessoa. E, sem sombra de dúvida, ele era o Nicholas.

Uma vez li em um livro que encontrar a sua alma gêmea é como entrar em uma casa onde você já morou. Você reconhece a mobília, os quadros na parede, os livros nas prateleiras, as coisas nas gavetas. É como se você fosse capaz de se localizar no escuro, se necessário.

Eu sei, parece patético. Raramente me relacionava com pessoas fora da minha bolha, mas sempre que surgia a oportunidade, eu falava sobre ele. Com todas as letras, dizia que sim, Nicholas era minha alma gêmea. O mais curioso é que todas as outras mulheres ao redor de nós pareciam ver apenas o homem comum, aquele que amava a esposa em casa e as amantes na rua. Mas a confiança que eu sentia nele era inabalável.

O mais triste, no entanto, era a sensação constante de que, um dia, eu o perderia. Porque, em minha vida, tudo o que era bom sempre acabava indo embora. Por isso, todos os dias, eu acordava um pouco antes, me levantava e ficava ali, observando-o por alguns minutos, antes que o despertador tocasse.

A sua pele branca, seus fios castanhos e enroladinhos, seu nariz arrebitado, eu aguardava todos os dias naquele mesmo horário, o seu abrir de  olhos, pra mergulhar naquele olhar cinza, então ele abria um dos melhores sorrisos, e me beijava, e então se levantava para se preparar para o trabalho.

Nicholas era um homem comum, auxiliar administrativo, tinha seus trinta anos, carinhoso, cuidadoso, calmo, sorridente, criativo.
A nossa casa era totalmente decorada por coisas loucas que ele inventava de fazer com objetos que não serviam mais pra nada, ele simplesmente transformava uma coisa que deveria ir pro lixo, em algo essencial.

Às vezes eu me sentia uma das suas bugigangas, na qual ele transformava em coisas criativas, e eu era feliz assim, a felicidade dele era a minha.
Nunca fui uma garota bela, pelo contrário eu me achava uma pessoa sem nenhuma beleza, a imagem que eu encontrava no espelho, era de uma mulher sem nenhum atrativo, minhas pernas eram tão finas que as calças ficavam folgadas, já a minha barriga era grande e cheia de celulite, a minha pele era oleosa, cheia de marcas de acne, meus seios eram minúsculos.

Alba, minha sogra, costumava me dizer que eu era uma criatura sem graça. Sem beleza, sem família, sem dinheiro. Incontáveis vezes ela me lembrava o quanto eu não merecia o Nicholas, que era uma pedra no sapato dele, que eu o impedia de crescer na vida.

E, de certa forma, ela tinha razão. Eu não era uma pessoa inteligente. Meus cabelos não eram loiros e brilhantes, como os das mulheres que ela admirava. Eram castanhos, sem vida, sem graça. Meus olhos não eram verdes como os de Amélia; eram escuros e opacos. O meu nariz... Bem, eu me sentia como um tucano, com aquele formato pontudo que nunca parecia certo. Não era branca, mas também não era negra. Eu era um ser indefinido, e tão limitada em minha própria visão que nem sabia como me definir.

Marcela, por outro lado, nunca me fez sentir inferior, eu a via como uma figura acolhedora, alguém que me compreendia sem palavras, ainda que sua presença fosse um lembrete constante da minha própria solidão.

Ela era a falecida dona da pensão onde eu morava em Chiswichi, antes de Nicholas aparecer. Eu tinha apenas 25 anos, o meu pai era um estranho, a minha mãe, falecida. Eu era a órfã, a menina perdida que se afundava em calmantes para tentar fugir da pressão da minha sogra, das minhas inseguranças, da minha aparência e das minhas tentativas frustradas de arrumar um emprego. O medo constante de perder o meu marido me consumia.

Eu era apenas Priscila da Silva Santos. Um nome comum, uma garota sem graça, uma existência sem propósito.

Quantas vezes me perguntei por que ele me escolheu? Ele era o padrão de beleza das revistas masculinas, o corpo perfeito, aquele tipo de homem que fazia as mulheres suspirarem. Ao nosso redor, sempre ouviam a mesma pergunta: "O que esse deus grego viu nessa garota?"

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