Dilúvio

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Seja bem vindo (a).

Aviso: Se restar dúvidas sobre este capítulo, consulte as notas finais. Novas informações sobre personagens serão dadas ao longo da história. Boa leitura anjo!●

- Quando dará importância para o que tanto anela?

Sua voz era doída, a garganta machucada pelas palavras afiadas como lâminas que já não aguentava repetir. As cordas vocais sendo rasgadas, pois não presenciava sinais de salvação. Seus olhos vivos, alertas ao perigo frequente, encarando outro par de lumes cansadas, escuras. Talvez até Mortas.

Então surgiu aquilo que tanto temia, e soube no mesmo instante que pela milésima vez testemunharia uma alma em autodestruição, como se houvesse programado tal válvula de escape antes de nascer, como se desde o princípio fosse destinado a devastação. Talvez ele seja, possivelmente esse é o fim, o mesmo que presenciara inúmeras vezes, como um disco arranhado dentro do DVD que trava na mesma cena toda mísera vez que tentamos assisti-lo. Porém, não coincidia com a guerra dupla que sempre se obrigara a assistir, não pôde mirar um monstro lutando contra o corpo esguio a sua frente. Se assemelhava a uma guerra mundial que eclodia em cada região da carne já exausta. Um continente por vez, sendo destroçado com uma rapidez ilustre.

Se esse é o remate, não tenho nada a perder.

- Responda-me.

Um grito ensurdecedor se fez presente pela primeira vez desde que esse cenário fora construído, na intenção de demoli-lo. Clamava com a voz cada vez mais alta, sentindo as palavras rebatendo no ar e voltando até lhe sufocar. Se encontrava estagnado, impotente para dar um passo avante ou tentar resgatar novamente sua outra parte. O que sempre fizera calmamente, mas com o mesmo desfecho, sendo derrotado.

Por um momento o que estava na sua visão sumiu, mas bastou olhar na direção do chão para revê-lo. As mãos puxando os fios desesperadamente, os joelhos forçando o chão, as roupas molhadas pelo suor depois da tentativa de segurar o surto. Os olhos pressionados, revelando o quanto ardiam após tantas lágrimas que já escorriam pelo pescoço, a cabeça latejando enquanto a mente se desfaz.

- Eu não consigo.

Ouvir aquilo lhe causava dores toda vez. Não tinha idéia do que fazer, se caía de joelhos a frente do menino e buscava abraçá-lo até que tudo terminasse, ou se prendia os pés onde estava, sabendo que nada adiantaria, porque nunca adiantou, apenas piorou. Mas seu coração altruísta suportava, tinha uma força finita mas capaz de reerguer quem precisasse. Então com calma se agachou na mesma altura, sentiu o contato com o chão gelado em seus joelhos quase descobertos pela bermuda. Fechou as janelas de sua alma por dois segundos e as abriu já imaginando o que continuaria vendo. Seus dedos avançaram até os alheios que insistiam em repuxar violentamente os próprios fios loiros, e pela primeira vez funcionou, mesmo que minimamente. Trouxe ambas as mãos para baixo, junto com as suas, permitindo que agora pressionassem suas palmas sem se importar com a dor do aperto. Afinal, lesões externas não chegam nem aos pés do que nos fere no íntimo.

E no meio de todo aquele choro angustiante, sua voz finalmente pôde reverberar no interior dos ouvidos de sua maior preocupação no momento, ele.

- Ninguém consegue, e está tudo bem.

Suas palavras eram carregadas de certezas, de filosofias, de teorias e experiências. O mais baixo entendeu o contexto da oração de 27 letras no momento em que passou por sua mente tal pronunciamento. E devagar, quase sem evolução, levantou a cabeça, forçando o pescoço com toda força restante. Suas íris tenebrosas se fixaram no par de olhos o encarando com paciência e bondade, mas borbulhando de dor. Foi ali que percebeu depois de tanto tempo que as suas dores eram as dele. No entanto, tudo nele era controverso.

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