Andando sobre o mármore que estava no chão, um senhor deu seu tempo; agora estava a ver o seu futuro, não mais como membro do mesmo, mas sim como uma memória daqueles que ainda poderiam forjá-lo.
O epitáfio posto pela família dizia que ele era um homem de boa fé, que sempre ajudava aqueles que realmente necessitavam, mas a realidade daquele que lia a falsa mensagem o causava amargura.
Nem mesmo seus momentos como espectador resultou em uma paz interior, apenas no sentimento de que deixou uma mentira se tornar verdade ao ver dos ignorantes.
Aquele homem que fora colocado na mensagem não existia, era apenas uma forma de ocultar o verdadeiro ser, o qual era conhecido por poucas e íntimas pessoas.
Mesmo sabendo que ali era retratado como um grande homem, o sentimento da mentira pós-morte ainda o acompanhava para julgá-lo pela eternidade; um verdadeiro inferno cuja dor não era carnal, mas sim, emocional.
Ao continuar a caminhar sobre o cemitério que foi sepultado, o senhor recém-falecido podia ver outros iguais a ele, alguns lamentando sobre o passado, já outros pensando sobre o que havia de vir - Todas as idades, desde crianças que choravam até idosos que murmuravam. Esse era seu novo lar. Diferente de uma casa que aparentava ser feliz, o cemitério tinha o prazer de mostrar a tristeza a cada momento.
Entretanto, com o tempo - já não tão presente-, os lamentadores aceitavam o seu destino e seguiam a trilha escondida da rua de mármore, que na verdade parecia um ciclo a cada passo. Não demorou muito para que o homem citado no epitáfio pensasse sobre si mesmo e, confuso e perdido em seu próprio pecado, questionava-se se realmente haveria uma salvação para sua alma tão vil.
A trilha negra o espreitava e sussurrava palavras para o atrair até aquele lugar desejado, mas o sufoco que ainda tinha o prendia aos chãos de mármore à frente de seu túmulo. Passavam-se horas e o senhor continuava sentado em frente de sua cova revendo toda sua história em seus olhos frígidos. Quando finalmente se levantou e foi até seu epitáfio, leu com total clareza: "Sua família sentirá saudades daquele homem gentil e amoroso, o mesmo que sempre estendeu suas mãos e nunca desamparou os necessitados ", uma espécie desconhecida de um líquido esbranquiçado derramava-se sobre sua face. Não poderia considerar aquilo como lágrimas, também não saberia dizer o que realmente era.
Suas mãos cinzentas se encontraram com o branco que caía, e agora manchadas, passou sobre o que ali estava escrito. Porém ele sabia que o tocar singelo que apagou aquela frase não a apagaria de sua memória, aquela mensagem de amor o sufocava.
Levantando e voltando a caminhar com suas mãos sujas de branco e olhos já sem coloração, o senhor deixou de ser apenas um idoso para tornar-se uma alma desamparada.
Seguindo o destino que o mesmo havia escrito com suas ações, sabia que deveria ser punido pelos pecados que atormentavam sua mente, agora envenenada. Havia perante seus olhos o caminho negro que o espreitava, e em seu lado oposto, outro de cor carmesim; diferente do anterior, esse não murmurava em seus ouvidos e nem o atraia, apenas estava lá para outras almas.
O senhor que se auto julgou decidiu adentrar ao sombrio, sabendo que ali era o verdadeiro destino de sua alma corrompida pelas suas próprias transgressões. " Todos sabem seu destino, internamente todos sabem" - foi a última coisa que escutou, essa voz que mais parecia de seu corpo putrefato em um caixão
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Epitáfio
Short StoryMemorias do passado que prendem você até as lamentações. "Quando a tinta da caneta que escreve sua vida acaba, tuas rasuras se tornam eternas e incorrigíveis."