Quarta Situação

24 1 2
                                    


Samuel tinha em sua rotina uma espécie de ritual que sempre seguia. Quando saia do trabalho na sapataria, passava na praça Mauá, bem movimentada no fim de tarde do Rio de Janeiro, sentava-se em um banco, e espiava o movimento das pessoas que caminhavam por ali. Seus olhos eram seletivos, e sempre se atentavam as jovens mulheres.

Não era o homem mais bonito da cidade ou mesmo o mais rico, mas sim o mais galante. Seu sorriso perfeito encantava varias mulheres, o olhar e ate mesmo a forma de andar chamavam a atenção de quem quer que fosse, talvez por isso boa parte de sua vida ele sentia que não pertencia aquele lugar, com aquelas pessoas.

Na sapataria não era diferente. Ele conquistava com facilidades a todos, tinha uma habilidade de persuasão notável e aqueles que no inicio não se rendiam ao charme ele apenas os manipulava. Acabava sendo um excelente vendedor por causa disso. Seu pai sempre dizia que o homem pode ser conquistado ou manipulado bastava apenas se atenuar aos detalhes. Fazia todo o sentido agora.

Sua infância não tinha sido grande coisa, não era exatamente como se retratavam nos comerciais de margarina que ele assistia na velha TV de sua casa, enquanto seu pai o pedia mais uma cerveja. Ai dele se não obedecesse! Mas ele sabia que um dia tudo iria melhorar, e melhorou quando ele a conheceu. Quatro de agosto de 2019 para ser mais exato, num dos dias em que cumpria seu ritual de fim de tarde. Ele a viu caminhando do outro lado da praça com graciosidade, seus cabelos encaracolados presos perfeitamente no alto da cabeça exibiam o pescoço curvilíneo dela naquela pele morena.

Seus pés haviam criado vida e sem perceber ele estava atrás dela. Como todo o resto sua voz era perfeita com sotaque carregado, ela falava palavras que ele não entendia.

"Pense numa cidade danada de grande, mainha"

Ele a escutava falar no celular. Precisava que a moça o notasse, precisava que ela fosse dele e dentro do seu peito um sentimento de posse foi crescendo cada vez que ele se aproximava e o ciúmes de alguém que ele nem sabia o nome crescia, só de pensar que ela poderia estar com alguém. Foi naquele quatro de agosto que Mariana conheceu Samuel, e logo se apaixonaram.

Duas semanas inteiras ao lado dela. Duas semanas em que ele cuidava dela. Duas semanas em que ele não suportava ficar longe dela e sempre que dizia isso, ela lhe presenteava com um sorriso doce. 

Mas após aquelas duas semanas, os dias decorrentes ficaram mais tensos. Não gostava quando ela saia com suas amigas, achava que ela não precisava delas. Não gostava de ver as mensagens de outros homens no seu celular e nem mesmo pensar em ela com outra pessoa que não fosse ele. Samuel sempre repetia para ela e para si mesmo que a amava e que estava cuidando dela. Muitas vezes ligava quando Mariana demorava no trabalho ou chorava quando discutiam, o que se tornava frequente. Ela sempre se compadecia e acabava voltando. Ele era bem convincente.

"Porque uma saia tão curta? Para quem ela queria se mostrar daquela forma?" Ele pensava. Já estava virando rotina. Brigas, um pedido de desculpas e algumas flores. Ele não queria magoá-la, apenas cuidar dela, talvez fosse apenas insegurança, mas afinal:

 "A culpa era dela que não me obedece."

No final de cada dia ele a procurava e ela sempre voltava para ele. Samuel sabia que Mariana precisava dele, e ele a amava demais para deixá-la partir.

Certo dia, depois que saiu do trabalho, combinou de se encontrar com ela na mesma praça onde se conheceram, para que ela fizesse parte da rotina dele. Ele passou numa floricultura e comprou um pequeno e humilde buquê de rosas, o dinheiro andava apertado para bancar presentes caros.

Ao chegar na praça, viu que Mariana já o esperava, mas havia alguém com ela. Ele observou de longe enquanto ela abraçava o homem alto e moreno, vestido com roupas simples, mas bem mais alto que ele. 

Inconstante PensamentoOnde histórias criam vida. Descubra agora