Desci do ônibus com pressa. Quase tropecei nas malditas escadas, teria sido uma queda feia. Para os outros teria sido um ótimo material para se enviar para as vídeo cassetadas. Fodam-se vocês! É preciso mais do que escadas para me derrubar!
Atrasado.
Corri pela rua principal até a entrada da universidade (na qual tinha sido tão difícil arranjar uma vaguinha). Ser aceito no curso de Filosofia tinha sido a maior conquista da minha vida medíocre, e no dia de dar a grande notícia aos meus pais, eu me sentia doente. Eles se sentiam mais ainda, por saberem que nunca viveriam as minhas custas. Eu era um pobre em potencial.
Vou me atrasar pra essa merda.
Cheguei na sala ofegante e encontrei os membros do meu grupo de apresentação muito bem posicionados e preparados. Eles tinham aquele olhar esperançoso de quem almeja conquistar muitas coisas. Eu invejava eles. Tudo que eu queria era sobreviver ao semestre. Por sinal, não estava fazendo um bom trabalho. Eles me olharam com cara de "onde você tava, caralho?", eu respondi com minha melhor cara de "deixa pra depois, porra!". Eles entenderam o recado.
A professora estava sentada bem na frente, com um olhar inquisidor e impaciente. Ela tinha motivos para estar de mau humor. Aquela apresentação já tinha sido remarcada duas vezes por vários motivos, mas dessa vez não ia ter jeito. "Tudo pronto para começar?", perguntou ela com aquela voz suave. Tenho certeza que mais de um aluno já tinha fantasiado com ela. Alunas também. Eu coloquei minhas colas na mesa e confirmei.
A apresentação correu bem, mas nada do jeito que eu tinha planejado. Os auto-confiantes adicionaram coisas que eu não tinha ideia, tinham abordado coisas que não foram combinadas e me fizeram parecer idiota por falar menos. Mas fora isso, tudo correu bem. Descobri que tenho muito auto-controle, não joguei minha cadeira em nenhum deles. A apresentação terminou com algumas observações da professora musa do amor. Ela me bombardeou de criticas por falar menos e por sintetizar muito. O que posso dizer, tia? Sou um cara simples. Gosto de simplificar as coisas. Ela nos dispensou depois de um longo monólogo a respeito do tema que nós havíamos apresentado, como se não tivesse sido o suficiente. Caguei pra isso. Eu estava quase livre.
Ela nos dispensou e foi como se tivessem tirado um saco de cimento das minhas costas. Tive vontade de dançar e cantar, de dizer: "até nunca mais!", de correr dali antes que fosse preciso fazer alguma pesquisa surpresa. Eu estava enfim de férias! Teria um mês e alguns dias para esquecer dos problemas e descansar.
Fiz meu caminho em direção a saída, com destino ao ponto de ônibus. Dane-se se eu me estabacasse no asfalto. Eu estaria ferrado, mas estaria ferrado de férias. E isso fazia toda diferença.
Senti uma gota,
Pingou bem na minha testa.
Não demorou muito até as amigas dela descerem com tudo das nuvens, me bombardeando todas de uma vez. Que belo dia para esquecer o guarda-chu...
Que?
Quem era essa?
Me cobriu com a sombrinha dela. Era uma sombrinha bem "inha", ela mesmo mal cabia em baixo.
-Quem diria que ia chover hoje, não é?
Disse ela. Mas quem era ela pelo amor de Deus? Quem era essa garota dos olhos castanhos vidrantes, das sardas que preenchiam as bochechas rosadas, dos cabelos cacheados que lhe caíam pelos ombros...
-Eer... Quem diria... Obrigado.
O que diabos foi isso? Desde quando eu falo igual a um retardado?
O amor te faz agir como retardado.
-Você ainda se molhou bastante, hahahaha.
Que risada linda era aquela? Seria o som mais bonito que eu já ouvi? Poderia facilmente ser.
Ela está... flertando comigo?
-Eu não sei o que seria de mim sem você, hahaha.
Mas que merda foi essa que eu disse? Deleta, deleta, deleta...
-Você com certeza chegaria em casa bem mais molhado!
Mas quais eram as chances? Ela levou minha bola fora numa boa. Era incrivelmente simpática. Notei as roupas que vestia e me surpreendi ao ver que era uma camisa de Star Wars (meu amor cinematográfico), e um short preto. Calçava botinhas pretas que cobriam até um pouco mais acima dos tornozelos.
-Vamos lá?
O sinal abriu.
-Vamos sim.
Atravessamos a rua juntos, colados um no outro. Ela riu quando eu pisei numa poça enorme e joguei água para todos os lados. Chegamos ao ponto de ônibus e nos abrigamos da chuva. Ela olhou pra mim com aquele sorriso carismático, e eu achei que aquele rostinho fosse incapaz de demonstrar tristeza.
-Me chamo Eliane.
-Muito prazer, eu sou o Charles.
Ela riu do meu nome, mas ao contrario de todos os outros, não parecia zombaria. Naqueles lábios, o sorriso nem precisava ser justificado, eu só sentia que precisava dele ali.
-Foi um prazer conhecer você, Sir Charles.
Um ônibus parou do nosso lado e ela embarcou sem mais delongas. Me deixando anestesiado. Eu assisti ela entrar no veículo, pagar a entrada, escolher um assento, e encostar a cabeça na janela, enquanto colocava novamente os fones de ouvido. Ela tinha interrompido a playlist dela pra falar comigo. O ônibus partiu, levando-a embora.
Depois de um tempo que pareceu incrivelmente curto, meu ônibus chegou. Fui para casa sem pensar em nada que não dissesse respeito aquela garota. Tirei o celular do bolso, entrando em casa, indo direto para o quarto, deitando na cama. Procurei por ela no instagram, uma stalkeada básica. Precisava ver aqueles olhos de novo.
Aquele sorriso.
@elie_pereira.
Te achei.
Digitei uma mensagem. Apaguei. Nada parecia bom.
Calma, sou um cara simples...
Digitei um "oi" bem simples, seguido de "^^", na esperança de parecer cortês.
Dormi esperando uma resposta.
Acordei duas horas depois com meu celular vibrando. Era ela.
"Oooi, Sir Charles!"
Era possível ser tão feliz com uma mensagem? Uau!

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Inconstante Pensamento
RomanceCurtas histórias sobre como o romance as vezes acontece na vida das pessoas comuns.