Quinta Situação

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O frio do tempo tem a habilidade de trazer uma sensação de preguiça para a cidade, como se a manhã se alongasse em direção à noite, pulando a tarde. Traz também, para algumas pessoas, uma certa tristeza. Muito dessa sensação vem da imagem da água caindo do céu em gotas, encharcando as árvores, as estradas, as calçadas, os prédios e casas. 

Quando eu olhei pela janela naquela manhã longa de (domingo? Acho que talvez fosse domingo?), eu senti a tal tristeza preencher meus pulmões, responsáveis pela passagem do ar contaminado pela doença de que tanto se falava. Já fazia um tempo em que eu não sentia a sensação de estar ali fora, em meio as gotas que caiam e molhavam insistentemente o mundo real. 

Sentia falta de meus amigos, principalmente. Lucas teria feito uma piada desnecessária sobre minha introspecção, e me chamaria de nerd. Layla seria totalmente invasiva e tentaria se apossar da minha tristeza, contando uma de suas incríveis histórias sobre desilusões amorosas. Ela tinha muitas dessas.  Ulisses iria ver o que tinha de bom na geladeira. Eu sentia falta das nossas conversas, do jeito que nos encontrávamos em qualquer lugar aleatório para não fazer absolutamente nada de especial, além de jogar conversa fora. As chamadas de vídeo não tinham a mesma magia, até porque quando Ulisses pegava Lucas no cassete por causa das piadas sem gosto, era bem engraçado. 

Olhei pelo quarto e encontrei meu celular embaixo da almofada da cama. Algumas notificações de pessoas com quem eu tentara me relacionar artificialmente. Eu meio que sentia falta dos encontros, de marcar de ver garotas pela primeira vez em lugares da preferência delas (fui a muitas baladas seguindo essa lógica), e de ouvir suas histórias e de roubar um beijo em meio a uma delas. 

Em meio as mensagens, não achei a notificação que eu esperava. 

Havia começado a conversar com uma garota, a umas duas semanas. 

Suas fotografias me chamaram a atenção no instagram, principalmente por ela não ser o foco de nenhuma delas. Ela era apenas um detalhe em meio a linda paisagem que ela queria de fato ressaltar. Em algumas fotos ela mal aparecia. 

As legendas contavam histórias dos dias bons e dos dias ruins, exibiam sensações palpáveis e com as quais eu podia me relacionar. Ela era uma ótima contadora de histórias, isso eu posso afirmar. 

-"De um dia em que eu me transbordei de paixão pela forma como o sol se despede no horizonte, em um fim de tarde alaranjado." 

Esse era o tipo de foto que quebrava paradigmas, por não mostrar apenas um rosto mascarado de emoções. Ela fotografava as emoções em si, e os motivos que a levavam a sentir. 

Bem, eu disse que tive experiências em ver garotas pela primeira vez em primeiros encontros. É sempre a mesma sensação de expectativa e curiosidade, em que, na vida real, você espera a chegada da dama sentado na mesa do bar, ou no banco da praça, ou na mesa do restaurante, e quando a vê, o sorriso instantaneamente se abre, e você se levanta, e oferece um abraço. 

Isso aconteceu com essa garota, virtualmente. Eu enviei o primeiro e cauteloso: "Ooi". 

E o tempo que esperei a mensagem dela, foi como se eu esperasse sua chegada em nosso primeiro encontro. 

"Oi oi". 

Um sorriso apareceu no meu rosto involuntariamente, como se eu a visse chegando, e a mensagem seguinte foi como um abraço. 

"Eu vi você na Universidade uma vez ^^" 

Naquele dia não chovia, e meu espírito se sentia feliz. 

Mas hoje não, essa manhã era cinza e fria. 

Ela não me mandava mais mensagens, pois, sabia que não havia nada que eu pudesse dizer para ajudar. 

O perfil dela, no instagram, antes tinha uma foto dela sorrindo, em um fundo repleto pelo céu azul, como se ela estivesse voando. Hoje apenas uma palavra se destacava em um fundo preto: "Luto". Perder um ente querido é doloroso, mas vê-lo morrer sozinho, e ser enterrado em um lugar qualquer, sem cerimônia alguma, é devastador. 

Em tempos normais, nós teríamos nos encontrado nas ruas e caminhado juntos, para ver o pôr do sol alaranjado nos fins de tarde. 

Nestes tempos sombrios, nossas casas são nossos únicos refúgios. 



Inconstante PensamentoOnde histórias criam vida. Descubra agora