Eu disse a ela:
Teu jeito é familiar.
Ela me respondeu com mais um questionamento:
Familiar como?
Para responder a essa pergunta, tenho que voltar um pouco a história.
Eu tinha onze anos quando tive minha primeira namoradinha. Se chamava Natália, mas todos a chamavam de Nati. Ela era bem arrumada, com as tranças feitas nas laterais do cabelo, se unindo em uma única trança na nuca, e descendo até mais ou menos a cintura. A mãe dela caprichava nas tranças por ser uma cabeleleira profissional.
"Minha filha é minha melhor cliente". Dizia a mãe dela para as verdadeiras clientes no salão de beleza. Todas riam. Mas era verdade. Nati se comportava muito bem, tanto em casa como na escola. Era bem atenciosa nas coisas que a professora falava, e sempre tirava boas notas.
Eu era o contrário. Meu cabelo era cortado em casa pelo meu pai, que de cabeleleiro não tinha nada. Ele só passava a máquina de qualquer jeito e dizia que era uma obra de arte.
"Isso sim é cabelo de homem macho!", dizia meu pai após fazer voar os meus cachos. Eu não era arrumadinho também, não tinha uma mãe para me arrumar, só o meu pai (e vocês viram como é que é o estilo do velho), e ele simplesmente me vestia com a farda que estivesse limpa. Eu era grato por ter o meu pai, ele sempre me levava pra escola, e foi por causa dele que conquistei a Nati.
Foi em uma sexta-feira. Como tanto eu quanto a Nati estávamos na sexta série, costumávamos sair da sala na mesma hora. Então eu segui o mesmo caminho de sempre: Pra fora da sala, pra dentro do corredor, depois pra fora do corredor e pra dentro do parquinho, depois pra fora da escola. Os pais costumavam esperar junto ao portão, onde conversavam sobre os filhos, sobre a escola, sobre a cidade, sobre o país, sobre política, e depois não conversavam mais. Menos quando os pais começavam a conversar sobre futebol, o jogo da quarta-feira sempre dava o que falar. Então, eu vi meu pai conversando com um outro homem. Fui em direção a eles, e meu pai me recebeu com um cafuné no "cabelo". Pelo que entendi na época, torciam pelo mesmo time.
Então o destino começou a puxar as cordinhas. Ao longe avistei a Nati, vindo na nossa direção. Ela vestia a farda da escola, mas sabe quando você está apaixonado e tudo vira um filme? Pois é. Eu a vi vindo em câmera lenta, com os pombos alçando voo por trás, e tudo em volta dela era apenas um borrão nada a ver. A farda que era só uma camisetinha azul clara e uma saia azul escura, viraram um vestido de fada e ela parecia flutuar.
(Hoje em dia, se eu dissesse isso, diriam que eu estava sob efeito de drogas. Mas continuando...)
Ela veio até onde nós estávamos, eu, meu pai e o homem do futebol. E ela abraçou a perna do homem do futebol como se ele fosse o pai dela.
Acabou que era mesmo. O nome dele era Francisco, e disse que meu pai podia chamar ele de Chico, e que estava convidado pra assistir o jogo do Domingo na casa dele.
Foi assim que aconteceu. Eu e Nati conversamos inocentemente pela primeira vez na casa dela, quando fui com meu pai assistir o jogo. Brincamos de princesa e cavaleiro, depois trocamos, eu era o príncipe e ela a cavaleira. Eu não sabia ali, mas pra ela nós já estávamos namorando. Aquele foi um dia alegre, o time dos nossos pais ganhou e eles passaram o resto do domingo bebendo cervejas e escutando música. A mãe da Nati a levou para a igreja, e eu fui junto.
Nossos pais acabaram ficando amigos. Assistiam a maioria dos jogos juntos, quando não era na casa da Nati, era em um bar que ficava perto. Eles jogavam pelada juntos, e então, um certo dia, o Chico chamou meu pai para trabalhar na empresa dele como segurança.

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Inconstante Pensamento
RomantizmCurtas histórias sobre como o romance as vezes acontece na vida das pessoas comuns.