Se a noite ousasse cair sobre a terra da mesma forma que meus olhos caem sobre ti, ficaríamos intermináveis eras em profunda escuridão, porque eu simplesmente não sou apto a deixar de admirar-te.
Foi em 3 de Setembro que finalmente a providência divina – se é que ela realmente existe – colocou-me em seu caminho. Algo divino deve de fato existir em algum lugar olhando por ti, a mais bela criação já pensada, uma obra de genialidade pura.
Eu era apenas... Eu. Não havia muito que se pudesse acrescentar a isso. Vivia meus dias como se a vida não fosse nada mais que uma burocracia da qual não se pode escapar ileso. Atravessando dias, horas, minutos inteiros, ininterruptos, vendo o mundo passar e mudar.
Exceto no 3 de Setembro. Ah, Deus, aqueles olhos...
Com certeza senti que o tempo não passava quando os mirei profundamente. A praça onde estávamos parecia estática, coberta numa tensão mágica, sobrenatural.
O teu vestido preto curto, algo que se destacava da paisagem colorida do ambiente, era hipnótico de certa forma. O vento o fazia dançar, dando a ti um estado de extrema beleza.
Meu pé direito ousou um primeiro passo abrupto, respondendo às sinapses do meu cérebro e ao desejo queimando em meu peito.
À medida que eu chegava mais perto, minha respiração acelerava, o ar ficava rarefeito, minhas mãos tremiam, tal como se estivesse adentrando numa outra dimensão, onde tu era soberana.
Teus olhos me encontraram.
Eles demonstravam... curiosidade?
Um pouco de receio?
Eu parei. Minha mão se ergueu espalmada para cima, um sinal de quem diz um simples "olá". Ofereci um sorriso humilde.
Os olhos dela se aliviaram da hesitação e se semicerram ao que ela respondeu meu sorriso com o dela.
Nunca pensei que encontraria algo como teus olhos, mas agora quero viver no teu sorriso.
***
2 de Dezembro. Vimos juntos nosso primeiro longa metragem, sobre submarinos e mares inexplorados. Discutimos as extensões do universo e as vidas das estrelas, que em um momento brilham intensamente e em outro se esvaem feito poeira cósmica.
Jantamos seu prato favorito: sobremesa. Petit Gateau, que traduzia bem como éramos juntos. Eu, frio, mas doce. Você, quente e saborosa. Juntos, algo extraordinário.
Voltamos para seu apartamento, um kitnet alugado que você tornou aconchegante sozinha. Você não dizia, mas queria me levar lá já havia um tempo, por isso tinha trocado as cortinas, comprado mais um travesseiro e uma coberta maior.
Nos beijamos ainda nas escadas, a cada degrau nossos lábios se encontravam ansiosos um pelo outro. De início, delicadamente, como um sopro de uma brisa em alto mar, depois, já quase no segundo andar, como uma grande tempestade.
Minhas mãos envolveram tua cintura, enquanto as tuas encontraram meu pescoço, minha nuca, meu maxilar, minha face...
Na tentativa de colher a chave da bolsa entre beijos, ela caiu entre um batente e outro. Eu me abaixei para alcançá-la, e você me puxou pelos ombros, fazendo-me sentar nas escadas.
Às duas da manhã você não esperava encontrar ninguém descendo as escadas de um prédio com elevador, você também não se importava inteiramente com isso naquele momento, e eu também não.
Tu veio sobre mim, tuas pernas me envolvendo ao passo que você sentava em meu colo. Minhas mãos instintivamente buscaram tuas coxas, sentindo o toque macio e cálido da tua pele. Nossos lábios buscaram novamente um ao outro e sentimos nossas línguas se entrelaçarem em uma eterna espiral. Tuas mãos buscaram os botões da minha camisa, como se quisessem me libertar.
Eu queria tua liberdade.
Agarrei forte tua cintura com um dos braços, enquanto segurei firme sua coxa com o outro, e coloquei nós dois de pé novamente.
"A chave", sussurramos um para o outro em uníssono, rindo. E a pegamos.
Subi contigo nos braços o resto dos degraus. Direto para tua porta. Passamos por ela como se não existisse, mal me recordo de virar a chave na fechadura.
Minha boca não deixou a tua, nos beijamos apaixonadamente e fervorosamente por todas as paredes que encontramos até teu quarto.
Te joguei na cama com força proporcional aos arranhões que tuas unhas já aplicavam as minhas costas por baixo da camisa desabotoada.
Tu sentou de frente para mim, observando-me de baixo – uma visão dos deuses – enquanto se livrava do meu cinto, da minha calça, da minha timidez.
Avancei a ti, subindo na cama, envolvendo teu corpo em meus braços, mordendo teu pescoço perfeito várias e várias vezes, ouvindo seus suspiros celestiais.
Fitei teus olhos uma vez mais, e tu os meus.
Ambos se incendiaram mutuamente.
Nesta noite nós brilhávamos intensamente.
Faria isso contigo por todas as noites de minha existência, até que nos esvaíssemos em poeira pelo infinito.

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Inconstante Pensamento
Roman d'amourCurtas histórias sobre como o romance as vezes acontece na vida das pessoas comuns.