Prólogo

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Meados de 1847 – Amherst, Massachusetts

O inverno estava próximo. A brisa fria fazia com que as pessoas da recatada cidade vestissem roupas cada vez mais quentes. As mulheres da cidade precisavam carregar um pouco mais de peso do que o habitual, com roupas desconfortáveis, porém, necessárias para fazerem jus ao nome que carregavam. Embora muitas não tivessem um nome de grande destaque, diferente das moças que pertenciam a uma família em especial.

No entanto, em meio ao bom histórico da família, uma dessas moças era mais do que recatada. Era silenciosa e vista como estranha, detalhe que fazia com que muitos temessem uma aproximação. Ainda assim alguns se aproximavam, e naquela amanhã, em especial, uma conexão havia acontecido:

- Você é sempre muito bem falada pela sua irmã – Uma moça discreta, com vestido simples e bonito, cabelo preso em um coque bem feito dizia à outra que usava um vestido branco com seus cabelos grandes cacheados levemente soltos; esta usava um tom debochado como resposta:

- Bem falada pela minha irmã? Eu não acredito.

- Por que não? Ela sempre fala boas coisas sobre você.

- E por que falaria boas coisas sobre mim?

- Por você ser a irmã dela?

- Isso parece ser algo suspeito. Ela está aprontando algo?

Ao ser questionada a moça encarou a outra com a sobrancelha arqueada. Viu esta comer despreocupadamente um pedaço do bolo, não se importando se os cantos de sua boca estavam ou não sujos. De todas as moças que frequentavam a sala da casa daquela rica família, aquela diante dela parecia ser a menos preocupada em manter a postura – e não era por estar em sua própria casa; não, era algo diferente, muito diferente. Intrigante, de certa forma.

- Eu não acho que sua irmã esteja aprontando algo – Respondeu a outra finalmente ao dar um sorriso, achando cada vez mais graça na maneira despreocupada com a qual a moça em sua frente dava de ombros. – Ao menos, não que minha irmã tenha dito. Quem sabe estão tentando nos unir de alguma maneira? Se livrar de nós.

- Ela acredita que não tenho amigos. Quero dizer, eu não tenho amigos. Estarei sendo enviada para uma escola só para garotas, você acredita? Esta família é incompreensível ao ponto de enviar um filho para uma escola, a fim de torna-lo alguém disciplinado e social.

- Você não quer ir? – Perguntou a jovem com ar de curiosidade.

- Não, é claro. Quem gostaria? Eles querem me fazer acreditar em histórias que não vejo razão para acreditar. De todo modo, mesmo que seja confuso e contra meus princípios, ir seja melhor do quê ficar em um lugar onde não tenho amigos – Respondeu simplesmente sem se incomodar.

- Como alguém como você não tem amigos? Você parece...

- Estranha?

- Não. Iria dizer que parece interessante. Inteligente. Divertida.

- Inteligente e interessante e divertida. Oh – Ela fingiu surpresa e arrancou um riso divertido da outra. – Obrigada, Susan. É um prazer que alguém nesta sala cheia bobos tomando seus chás, acredite ou veja que sou algo, em especial, inteligente, apesar de não achar-me tão inteligente quando tento escrever meus poemas.

- Você não deveria se importar com a opinião dos outros. Tenho certeza de que seus poemas são incríveis. Adoraria lê-los algum dia – Finalizou com um sorriso sincero, recebendo como resposta um olhar estranho.

- Acho que você não está interessada em ler meus poemas. Não seja tão... Gentil.

- Por que eu não gostaria de ler seus poemas? Você não os compartilha?

- Não os compartilho. São íntimos. Eu os protejo como...

- Como se fosse seu coração em suas mãos – Completou com seriedade mesmo que demonstrasse um sorriso tímido. – Entendo o que está sentido.

- Você escreve? – Perguntou com curiosidade gritante, os olhos com um brilho diferente, quase inspirador.

- Sim. Quero dizer, quando sinto que preciso. Escrever me ajuda a aguentar. Especialmente quando me sinto só.

- Você não parece o tipo de pessoa que passa tanto tempo só.

- As aparências enganam. De qualquer forma... – Deu de ombros e sorriu outra vez. – Se você mudar de ideia e precisar de alguém para ler seus poemas...

A moça dos poemas sentiu uma sensação diferente ao encarar a jovem educada que a tratavam com grande gentileza. Sentiu como se aquela conversa estivesse se tornando familiar, como se já tivesse acontecido em algum momento da vida, o que é errado, pois nunca, jamais encontrara, nem mesmo se repetira com qualquer outra pessoa com quem já tivera qualquer tipo de contato – incluindo os familiares.

- O que me diz sobre caminharmos pela cidade? – Perguntou sem muito pensar, o que fugia da conversa que estavam tendo sobre poemas e escritas que serviam como desabafo.

- Agora? Está frio lá fora!

- Para quê servem casacos e cachecóis e luvas? Vamos! Você não está aquecida o bastante? Posso emprestá-la, se achar que sente frio ou...

- Não, apenas...

- Vamos lá, não seja estraga prazeres. Caminhe comigo!

- Você insistirá até conseguir, não é?

Uma sorriu para a outra. Era como se algo estivesse as unindo. Como se uma precisasse da outra na vida. Era como se uma linha estivesse ali para traçar um caminho que deveria ser seguido, por mais complexo e cheio de obstáculos que pudesse ser. E elas não imaginavam, mas aquele poderia ser o inicio de algo que aconteceria repetidas vezes, mas, de maneiras diferentes, embora, ficando cada vez mais forte durante as décadas existentes. 

Only hope afterlifeWhere stories live. Discover now