10° Capítulo - Mudanças

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A parte mais difícil de me internar nessa clínica de desintoxicação foi aceitar que era uma viciada.

Sabia que usava entorpecentes e cheguei ao ponto de ter uma overdose. Mas era como se não aceitasse o fato de que eu era uma dependente química.

Levei alguns dias internada para perceber que a primeira fase sempre é a negação. Só entendemos que dependemos de algo quando começamos a ver semelhanças com depoimentos de outras pessoas que estavam ali.

A primeira semana foi entediante, chata. Não conseguia falar de mim para aqueles estranhos. Não conseguia me abrir, embora me dessem oportunidade.

Fazíamos exercícios físicos, atividades com a natureza para nos ajudar a desintoxicar. Os remédios ajudavam a dormir.

A maior parte do tempo, tudo de ruim que já me aconteceu passava pela minha cabeça. Me sentia uma pessoa horrível, e aquela dor interna começava a se tornar externa, fazendo-me pensar nas drogas, na bebida, no sexo. Em tudo que tornava suportável aquilo.

Às vezes, era como se estivesse sufocando. Me sentia horrível, mas todos os dias nos sentávamos naquele círculo e ouvia a história de alguém ali.

Me sentia mal, por saber que alguns passaram por situações bem piores do que a minha e estavam focados em melhorar, sabiam que sua sobrevivência dependia daquilo. Alguns tinham filhos, pessoas que dependiam deles.

Conversava com a psiquiatra ali. Ela mais ouvia do que falava, o que era bom. Não ter alguém para me criticar, julgar ou me comparar.

Recebia as visitas de Julia, Marta e até Juan. Foi bom tê-los ali comigo. Mas queria que fosse a Rosie. Pedi à minha avó que não contasse nada aos meus pais. Não precisavam saber disso.

Os dias se arrastaram naquele lugar, e prometi a mim mesma que quando saísse, nunca mais chegaria perto de drogas. Ter que passar por isso é muito ruim, embora saiba que é para o meu bem.

O lema é dizer a nós mesmos que se conseguimos uma semana, duas semanas, três semanas sem entorpecentes. Conseguimos uma vida.

Nos obrigam a assistir depoimentos deprimentes, filmes e documentários. Às vezes, me sinto emotiva demais e choro como se fosse uma criança. Outras vezes, me sinto farta daqui e só quero ir embora.

Sei que nesses dias, são os mais prováveis de as recaídas acontecerem. Então são os que me empenho mais a ocupar minha mente com qualquer coisa.

Seguia para o meu quarto, embora não estivesse com sono, preciso dormir.

Parei ao escutar gritos desesperadores, sigo em direção curiosa, e quanto mais próxima fico desses gritos, mais sinto meu coração acelerar.

Vejo uma garota, deve ter pouco mais de dezesseis anos. Está sendo contida pelos enfermeiros. Grita em prantos:

— Eu preciso... Eu vou morrer se não me deixarem usar. Pelo amor de Deus! Por favor! Eu preciso! Me deixem usar! Me deixem! — Sinto meus olhos marejados.

É nítido o quanto ela sofre. A dor que sente. Ela está suada e desesperada. Estão a dopando. Me afasto, sentindo-me ofegante.

Eu não quero ser assim, não quero ficar nessa situação. É doloroso demais ver isso, imagino como deve ser sentir o que ela sente. Mesmo que não esteja tão dependente assim, já acho difícil, faço ideia de como é para ela.

A psiquiatra se aproxima e me olha preocupada:

— Está bem?

— Sim. Quem é ela?

— Se chama Angie, ela nasceu já viciada.

— Como que isso é possível?

— A mãe era viciada, se entorpecia na gravidez, e ela já nasceu dependente química. Já é a quinta vez que a internam contra a vontade dela.

Cartas para VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora