Capítulo 5

4.9K 901 808
                                    

Ficamos mais atrás para meu pai e meu tio não verem, falando de coisas de criança. Depois pegamos a estrada reta que vinha da cidade onde ficavam as vendinhas, algumas casas e a igreja. Como havia mais pessoas ali, tivemos de soltar as mãos.

Meu pai comprou doces e balas e colocou todas no bolso da camisa. Quando ia pegar uma guloseima para si, dava uma para mim e para Nico também. Em um momento ele me deu um pirulito que vinha com um buraquinho no cabo grosso. Quando assoprei fez um barulho de apito.

Acho que meu pai não gostou muito da invenção, porque me fez jogar fora em menos de dez minutos. Depois encontrou outro pirulito que vinha com uma hélice de helicóptero. Com esse ele não se incomodou. Me deixou jogá-lo no ar até ficar exausta. Nico ria sem parar enquanto me via correr atrás do palitinho voador.

— Catarina! Você sabe assobiar?

Juntei meus lábios, mas nada saiu.

— É assim. — Ele abriu a boca para me mostrar como dobrar a língua.

Tentei, mas não deu certo. Pelo caminho todo Nico ficou imitando passarinhos. Ele sabia reproduzir o canto deles perfeitamente. Imitava o sabiá, o rouxinol e o bem-te-vi.

— Ah, não sei fazer essa bosta não. — Cruzei os braços, brava, e ele voltou a assobiar.

Nós caminhamos até chegarmos a uma estrada alta. Os homens conversavam assuntos que não me interessavam enquanto eu brincava com palitos e pedrinhas ou recolhia dentes-de-leão.

— Quer ir dormir lá em casa essa semana, Catarina? — Nico me perguntou, distraído, recolhendo pedras e jogando com força no pasto.

— Se o pai deixar. — Falei.

— Aí nós pode jogar baralho. — Ele voltou a segurar minha mão, sempre de olho se meu pai iria ver. Aquilo me dava um frio gostoso na barriga.

Subimos durante vários minutos assim, entre provocações e conversas infantis, e então chegamos a um viveiro cheio de mudas de café. Elas eram plantadas em saquinhos pretos, todas amontoadas, e cobertas por um teto de folhas de coqueiro.

— É assim que planta café, cê sabia?— Meu pai me puxou para perto dele, mas era tão alto que eu quase não alcançava sua cintura  — Logo esses aqui vão tá igual aqueles lá, oh! — E apontou para uma lavoura muito verde ao longe.

— Demora muito pra crescer, pai?

— Menos que ocê vai demorar. — Tio Geraldo ergueu as sobrancelhas para mim e eu o encarei com estranheza, sem entender nada.

Nós continuamos a subir e então encontramos um açude. Era um círculo enorme de água amarela.

Apesar dos conselhos de minha mãe, passei bem perto da água, tentando ver algum peixe. Porém, em vez de peixes, acabei encontrando libélulas. Muita gente as chama de lava-bunda, pois voam passando a popa na água e saindo. Eu também chamava, mas quando vi um desenho dela no meu livro de português, com um poeminha embaixo, me recusei a dizer aquele nome. Eu gostava do som, da forma como a língua se movia na boca para se pronunciar LI-BÉ-LU-LA.

— Fala, Nico.

— Lipela!

— Não! — Eu pulava ao seu lado, rindo — Fala de novo! LI-BÉ-LU-LA!

— Li-be-la? Não sei falar essa bosta!

Subimos então mais uma estrada e, por fim, chegamos a um terreiro. À frente havia uma pequena casa recém-pintada de cal, onde tia Lenira e tio Geraldo morariam em alguns meses. Quando entrei, reparei que o piso era de terra.

— Será que nós acha umas bosta fresca no pasto pra passar aqui, Zé?— Perguntou tio Geraldo com uma mão na cintura e a outra enxugando o suor da testa.

— Ah, capaz de achar sim! Vamos lá procurar!

Nico e eu subimos na cerca enquanto meu pai e meu tio foram ao pasto atrás da casa para recolher algumas merdas frescas das vacas. Quando voltaram, trouxeram bastante alecrim do mato para fazer duas vassouras.

Meu tio amarrou os galhos em um cabo de madeira e fez duas vassouras. Enquanto isso, meu pai fazia uma mistura líquida com a bosta de vaca em uma lata grande. Eles usaram as vassouras para passar aquilo no chão. Foi um processo rápido, mas o cheiro não ficou dos melhores.

— Fica fedorento assim memo, pai? — Torci o nariz.

— Depois que secar vai melhorar, fia.

Meu pai e meu tio se lavaram com a água que escorria de uma mangueira na varanda, mas como não haviam levado sabão, não adiantou muita coisa. Eles continuaram fedendo tanto quando o novo piso.

Voltamos para casa naquela tarde e minha avó havia feito mingau de fubá com couve. Tio Geraldo não aceitou ficar para comer conosco, dizendo que precisava ir para casa tomar um banho. Fiquei feliz de vê-lo pegar o Faísca e chispar a galope para longe de minhas vistas.

— Catarina. — Nico me chamou assim que terminei de comer — Vamo lá fora?

— Tá escurecendo.

— E daí? — Ele segurou meu braço e me puxou.

Quando chegamos atrás da casa, debaixo de uma goiabeira, Nico me puxou de uma vez e colou a boca na minha. Fiquei apavorada ao sentir seu cheiro de suor e manga madura tão de perto. Quando ele me deu uma lambidinha eu o empurrei com força no chão.

— Seu porco! — Limpei a boca e pulei em cima dele. Comecei a socá-lo enquanto ele ria e tentava me segurar.

— Catarina! — Ouvi a voz da minha mãe de dentro da casa — Que cês tão arrumando aí fora?

— Nada, mãe! — Gritei e olhei feio para Nico — Se me cuspir de novo eu te arrebento!

Me levantei enquanto ele continuava no chão. Estava rindo tanto que eu quis bater mais nele, mas não podia, ou minha mãe me bateria também.

— Não te cuspi. Eu te beijei, menina! Agora cê tá grávida!

Arregalei os olhos, corri para dentro de casa e fingi que nada tinha acontecido. Nico veio logo e sentou ao meu lado. Ele ficou quieto por um segundo, depois enfiou o dedo na nariz e limpou no meu braço.

— Eca! — Me levantei e limpei meu braço com o cabelo dele.

— Ai, me solta! — Ele agarrou uma das minhas pernas e fiquei pendurada, segurando seus cabelos. Nos embolamos e caímos no chão.

— Eu solto se ocê soltar. — Falei, embolando ainda mais minhas pernas nas dele.

— Solta primeiro. — Ele cochichou pra nenhum adulto ouvir.

O agarrei com mais força e Nico puxou meu cabelo. Comecei a dar pontapés nele e naquela grande confusão, ele me acertou uma ajoelhada na barriga que me deixou sem ar. Acabei soltando-o e ficando estática no chão.

— Catarina! — Ele me balançou — Desculpa! Machucou? Fala!

Olhei bem pra ele e gemi:

— Ai, meu Deus, cê matou nosso fio.

Bem Me QuerOnde histórias criam vida. Descubra agora