Capítulo 13

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A lâmpada da cozinha tinha uma luz amarela muito fraca, que mal iluminava as expressões animalescas dos meus pais. O vento frio passava pelas frestas da janela e me arrepiava enquanto as vozes dos dois ecoavam em meus ouvidos.

Me custou um tempo maior do que o razoável para processar o que estavam me dizendo. Ficar longe de Nico não fazia sentido. Desde que nasci, nunca havia ficado longe dele. Era como se me dissessem que a partir daquele dia eu iria viver sem um olho, sem uma perna, ou qualquer outro pedaço de mim.

— É bom esses dois se desgrudar mesmo. — Minha mãe se sentou à mesa — Aquelas foto deve de ser do Nico. Esses menino de hoje em dia é tudo sem vergonha.

— Leda, pelo amor de Deus, a gente conhece aquele menino desde que nasceu! Ele pode ser arteiro, mas num tem uma gota de maldade no coração.

— Num boto minha mão no fogo por ninguém, Zé. Vai saber quem tá falando a verdade.

— Tá, chega, só sei que quero o Geraldo longe da Catarina. E pra evitar fofoca, vamo cortar esse negócio dela ficar pra lá e pra cá com o Nico tamém. Aí fica tudo certo.

Conforme eu respirava, meu cabelo era puxado para dentro da minha boca. Me senti sufocando de tanta tristeza.

— Mas o Nico e eu não fizemo nada errado, pai. — Minha voz soou diferente em meus ouvidos. Era apenas um sopro fraco e não continha a firmeza de sempre.

— Num é que cês fizeram ou não, fia. — Meu pai veio até mim, me olhando de cima e tive de erguer a cabeça para encará-lo — Eu acredito que cês não fizeram nada. O caso é que cês tão crescendo. Num é bão os rapazin e as mocinha ficar sempre grudado assim. As pessoa vai começar a levantar conversa. Vão falar que cês tão fazendo coisa errada. A cidade é pequena, mas a língua do povo...

— Mas que coisa errada é essa que cês fica falando?

Meu pai respirou fundo e se virou para minha mãe.

— Tá vendo! Cê não ensina nada pra sua fia! Não dá pra eu explicar essas coisa de muié pra ela, Leda! Se o Geraldo fizesse alguma coisa com a Catarina, a culpa ia ser sua de deixar ela boba desse jeito!

— Agora eu tenho culpa? Ocê que sempre foi amiguinho do Geraldo! 

— Ah, num aguento mais, vou sair pra esfriar a cabeça! — Ele se afastou, puxou o trinco da porta de madeira capenga e saiu.

Furiosa, minha mãe foi atrás dele e ouvi os gritos dos dois vindos do lado de fora. Quando ela retornou, fechou a porta com estrondo e ficou olhando para o nada. Parecia perdida naquela cozinha, em uma pesada solidão.

Mesmo com nossas diferenças, eu a entendi naquele instante. Sempre desejei que meu pai fosse um pouco mais como meu padrinho em alguns momentos. Gostava do carinho, da forma como meu pai brincava comigo, mas sentia falta de alguém que tomasse mais atitudes em momentos críticos. Sempre que algo tomava grandes proporções, ele ficava muito abalado, saía de casa e ia para o bar. A pinga era seu anestésico para a vida.

— Catarina, cê tem que ficar esperta. — Minha mãe falou baixo, como poucas vezes falava comigo — Os menino pode querer fazer coisa errada c'ocê. É disso que seu pai tem medo.

— Disso, o quê?

— Vai continuar fingindo que não sabe? — Ela se alterou — Os menino pode querer pegar na sua bunda, nos seus peito e...

— Que peito? — Pus a mão em mim mesma para avaliar. Ainda era reta como uma tábua.

— Para de pergunta besta. Eles vão querer colocar o pinto n'ocê.

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