Capítulo 28

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O céu atrás dos cabelos escuros de Nico estava de um azul profundo, límpido como a água mais cristalina de uma praia não desbravada. Ter me virado para respondê-lo, me deu tamanha certeza do que queria, que não seria difícil dizer o "sim" que ele aguardava.

— Tatá! — Jaime veio correndo em minha direção, interrompendo aquele instante — O pai tá ali na cerca!

Me levantei do balanço rápido. Não sabia o que fazer. A figura magricela, levemente curvada como um anzol, observava desnorteado as crianças que brincavam ali por perto, provavelmente procurando a mim e ao meu irmão. Meu pai não era esse tipo de pessoa, o que me fez pensar que algo estava acontecendo.

— Nico, eu vou ter que ir. Mas eu...

— Tem problema não, Catarina. — Seu jeito terno permaneceu inabalado — A gente tem tempo.

Peguei Jaime pela mão, joguei nossas mochilas nas costas e corri para a saída do parquinho. Do lado de fora, meu pai se destacava pelo boné amarelo. As letras que mostravam o nome do "Mercadinho da Dona Ana" estavam se desfazendo, deixando apenas uma mancha azul acima da aba.

— Pai? — Chamei ao chegar à calçada.

Ele se aproximou, irritadíssimo. Nunca o tinha visto tão bravo.

— Por quê cês não foram pra casa?

— Vim trazer o Jaime no parquinho um pouco.

— Cê tá cansada de saber que é pra ir direto pra casa! — Ele puxou meu irmão pelo braço e saiu andando rápido.

— A mãe tá brava? — Fui correndo atrás dele. Só poderia ser por isso que ele estava tão nervoso.

— Sua mãe tá no pronto socorro!

Não compreendi na hora.

— Tá adonde?

— No pronto socorro, Catarina! Cê tá surda, menina? Eu te cacei pra todo lado. Fui em casa pra ver se cês tinha chegado. Voltei duas vez! Larguei ela sozinha tomando soro pra vim te buscar.

— O que a mãe tem? — Os olhinhos de Jaime se encheram d'água — A mãe tá morrendo?

— Não, fio, a pressão dela subiu, vomitou até as tripas. — Explicou meu pai.

Me lembrei da única vez que a vi doente e tive uma má impressão.

— Ela não tá esperando neném de novo não, né? — Resmuguei. Amava meu irmão, mas não queria ter de cuidar de mais uma criança.

— Antes fosse! — Respondeu meu pai, rude, atravessando a rua enquanto Jaime e eu continuávamos correndo para acompanhá-lo — Tem tempo que sua mãe anda reclamando, mas num acho vaga pra ela consultar no posto.

— Me explica. — Pedi — O que ela tem?

Durante o caminho até o pronto socorro, fui ouvindo meu pai falar. Segundo ele, há meses minha mãe vinha reclamando de vertigens, insônia e enjoo. Também andava muito mais irritadiça do que nunca, com um humor que oscilava o dia todo. O médico do pronto socorro provavelmente indicaria  alguns exames, mas teríamos de esperar o SUS autorizar para que o laboratório colhesse.

Assim que chegamos ao pronto socorro, que era uma lugarzinho pequeno, frio e com cheiro de água sanitária, fui logo me sentando nas cadeiras pretas da recepção. Não estava nada inclinada a entrar nas alas.

Meu pai me deu um olhar decepcionado.

— Não vai ver sua mãe, Catarina?

Fiz que não com cabeça e foquei em meus pés, evitando contato visual. Ele não disse nada, apenas seguiu de mãos dadas com meu irmão para dentro do quartinho em que minha mãe estava descansado.

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