Capítulo 63

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Quando desliguei o toca fitas, fiquei um tempo inerte, sem saber o que pensar. Meus olhos estavam úmidos e um breve soluço me apavorou. Não queria que todos na casa ouvissem e soubessem a emoção que me tomava. Me sentia mais amada e ao mesmo tempo mais surpresa do que imaginava. Enxergar tudo pelos olhos de Nico me fez entender que podemos passar a vida toda ao lado de alguém e mesmo assim não saber tudo que ele vive e sente.

Meu padrinho sempre me pareceu uma pessoa bondosa, firme e justa, mas entendi que havia nele um lado difícil, como há em todo mundo, e que eu desconhecia. E havia minha madrinha, uma pessoa fria, mas que senti ter ficado mais carinhosa com os anos. A verdade é que eu estava enganada, ela só havia ficado mais carente. Para quem olhasse de fora, no entanto, era uma família perfeita.

E Nico? Ele não havia me parecido uma pessoa solitária ou triste naqueles anos. Eu sempre o via rindo e brincando.

— Ou ele só era assim quando tava perto de mim? — Me questionei. — Ou nunca prestei mesmo atenção nele?

Relembrando os anos anteriores, tive de admitir, nunca o tinha visto com amigos ou saindo para muitos lugares. Ele tinha os primos, que eram mais garotos para fazer bullying com ele do que seus amigos, e tinha Vanessa. Essa, talvez, tenha sido a única que ele realmente considerou amiga. A única, e ainda o traiu.

Creio que com sua forma de brincar comigo, de parecer sempre mais maduro e protetor, Nico disfarçou a solidão. Nunca consegui ver que havia um motivo para que eu fosse tão importante para ele. Na verdade, não conseguia imaginar que era importante para qualquer pessoa quando era mais nova. Imagino quantas pessoas são valiosas para outras e também não sabem.

— Queria ter entendido tudo isso antes. — Peguei a fita e virei o lado "B", querendo muito saber o que havia mais a dizer ali.

Estava deitada na cama e fiquei olhando para a fita em vez de colocá-la de volta. Acabei dormindo em algum momento enquanto observava a letra perfeita de Nico no adesivo "Para Catarina". Estava tão cansada da viagem que nem a curiosidade foi capaz de me manter acordada naquela tarde. Apaguei e senti que descansei como poucas vezes conseguia.

No dia seguinte, antes que pudesse pensar em onde estava ou o que queria fazer, ouvi uma batida na porta do meu quarto. Acordei de supetão, com a cara toda amassada, guardei a fita na gaveta do criado às pressas e olhei as horas no celular.

— Oito da manhã? Jesuzinho do céu, eu dormi uma eitada de hora!

— Catarina, sou eu, querida.

— Ah, dona Carmem, já tô indo! — Pulei da cama e corri para abrir a porta, encontrando o sorriso daquela senhora a iluminar tudo — Me desculpa, eu dormi demais da conta, que vergonha! A senhora já tomou seus remédio? Eu...

— Tudo bem, está tudo bem, não vim te acordar pra isso.

— Não?

— Não. Estou preocupada com você.

O rosto dela estava tão sério que fiquei apreensiva. 

— Por quê?

— Bom, aqui nessa casa você é como minha filha, querida. — Ela colocou a mão trêmula e enrugada em minha cabeça — E preciso cuidar de você.

— Num entendi.

— Passou esses dias com um rapaz, não foi?

— Eu? Não! — Como ela sabia?

O riso doce dela me fez entender que nada que eu dissesse a convenceria.

— Vamos marcar um ginecologista.

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