Capítulo 11

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Desde que Ronan voltou a falar comigo, temos trocado mensagem com frequência, o que é bom pois eu vinha sentindo muita falta do meu irmão mais velho. Ao mesmo tempo, meus sonhos parecem ter ido embora de vez e tenho tentado não pensar sobre o fato de Leon ter aparecido neles algumas vezes. Só quero deixar isso para trás e poder continuar minha vida normalmente sem a preocupação irracional de investigar meus pesadelos. 

Conforme as provas se aproximam, passo cada vez mais tempo na biblioteca tentando colocar meus estudos em dia. Em um desses dias, estou em um dos corredores buscando por um livro de John Donne, quando Leon se aproxima. 

- Qual livro está procurando? - ele pergunta. 

Ele está vestindo uma jaqueta de couro estilo biker e uma camiseta preta e sinto meu coração acelerar ao vê-lo. Nós temos nos visto frequentemente desde o dia em que fiquei extremamente bêbada e ele me ajudou. E, embora eu tenha me lembrado que pedi a Leon para que ele me beijasse, ele nunca mencionou nada sobre o assunto. Fico me perguntando se ele imagina que esqueci desse detalhe ou se simplesmente não quer mais me beijar mesmo. 

Mas agora parece haver uma espécie de amizade nascendo entre nós. Nós almoçamos juntos quando ele está com Daniel e conversamos sobre qualquer tópico que surja, o que é algo novo, simplesmente conversar, sem brigar, sem fugir, sem haver álcool envolvido. Por isso também não me preocupei em falar algo sobre eu ter pedido para que ele me beijasse. E o fato de ele ter negado, embora isso tenha sido o certo a se fazer, considerando-se o quanto eu estava bêbada naquele dia. Essa trégua entre nós é algo novo e bom e, conforme o conheço melhor, percebo que ele não é tão arrogante e convencido quanto parece. E não pretendo estragar isso trazendo a tona qualquer espécie de sentimento sobre nosso beijo. 

- Meditações - respondo finalmente. 

Ele caminha por entre as estantes passeando os dedos pelas lombadas dos livros. Reparo que ele usa um anel com uma pedra preta em seu dedo mindinho. 

- Aqui - ele diz pegando um livro novinho da estante, então o folheia e sente o cheiro das páginas. 

- Cheiro de livro novo - sorrio e Leon levanta os olhos do livro -  Não sabia que se interessava por literatura.

- Era o que eu pretendia cursar inicialmente - ele responde e dessa vez estou surpresa. 

- Pretendia estudar literatura? E como exatamente se desviou tanto desse caminho?

Ele solta um risinho sem humor, então olha para os coturnos pretos e depois para mim antes de responder:

- Algumas coisas mudaram na minha vida, eu procurava algumas respostas e algum conforto e os encontrei ao estudar sobre coisas infinitamente maiores do que nós. Somos apenas poeira das estrelas e isso faz todo o resto parecer insignificante, mesmo a maior dor que já sentimos - ele dá de ombros.  

Minha respiração fica muito pesada de repente. Ele parece alguém que já viveu muitas coisas, tantas que o fizeram se sentir dessa maneira sobre nossa existência. E eu quero dizer a ele que não, que não somos insignificantes, que, no exato momento em que as sentimos, nossas dores são como o mundo todo. Mas uma parte de mim acredita que ele está certo. Minha história, minha existência são ínfimas perto do tempo em que o universo irá existir. Ele esteve aqui antes de mim e estará depois que eu me for. Leon tem razão, somos apenas poeira das estrelas. 

- Mas também é algo bonito - ele diz -, que tudo que nos compõe tenha sido moldado no mesmo lugar, no núcleo de uma estrela a milhões de anos-luz daqui. 

- O que, para mim, soa quase como poesia - respondo. 

Mais uma vez Leon está me estudando e ele parece travar uma briga interna quando me observa com seus olhos castanhos. 

- Sabia que Ellara é o nome de uma das luas de Júpiter? - Leon diz simplesmente. 

- O quê? 

- Você tem nome de lua - ele sorri de uma forma que parece irônica - Uma lua de Júpiter. 

Levanto uma sobrancelha. Eu sabia que meu nome estava relacionado à mitologia grega de uma forma desagradável, mas não que era o nome de uma lua, muito menos uma lua de Júpiter. Por um momento sinto um pouco menos de raiva dos meus pais por terem me escolhido esse nome.

- Bem, é melhor do que ser apenas uma das amantes de Zeus - digo.

E dessa vez Leon gargalha alto, uma risada quente e contagiante, e estou rindo junto com ele quando a bibliotecária nos dá uma bronca. 

- Por favor, vocês estão em uma biblioteca, senhores. Silêncio! Silêncio é a regra básica - ela diz do alto de seu 1,50m. 

- Nos perdoe, Senhora Flinn - Leon diz e ela vira as costas batendo o saltinho do sapato no chão de linóleo com um pouco de severidade. 

- Você está acabando com a minha reputação nessa biblioteca, Leon Hayes. 

Ele ri novamente, dessa vez vários tons mais baixo e olha para o livro que ainda está em suas mãos. 

- "Então, não me pergunte por quem os sinos dobram..." - ele cita o verso do poema e me entrega o livro. 

Nossos dedos se tocam por um mísero segundo quando pego o livro e é como se eu tivesse colocado minha mão no fogo, da mesma maneira como me senti no dia em que o toquei pela primeira vez, no observatório, quando o segurei para que ele não fosse embora pois eu pretendia brigar com ele. E por mais que eu diga a mim mesma que pretendo manter esses pensamentos afastados, não posso evitar a sensação que percorre meu corpo pelo simples fato de ele ter me tocado brevemente. 

Leon me observa por um segundo antes de colocar as mãos no bolso e sair e, em minha mente complemento o final do poema de John Donne:

"... Eles dobram por ti". 

***

Na sexta-feira pela manhã, estou em uma aula quando meu celular toca e um número alemão desconhecido aparece no visor. Imaginando que se trate do meu irmão, saio da sala correndo e atendo.

- Ronan? Está tudo bem? 

- Senhorita Turner? - ao invés de meu irmão, uma voz feminina com um forte sotaque responde - Ellora Turner?

- Ellara, desculpe, sim sou eu - meu coração está batendo tão rápido que consigo ouvir meu sangue fluindo em meus ouvidos.

Por que essa mulher alemã está me ligando? Toda a espécie de pensamento percorre minha mente. É sobre Ronan, eu sei que sim, só poderia ser sobre ele. Por que mais me ligariam da Alemanha? 

Mas quando a mulher fala, eu não acho que estou preparada para ouvir suas palavras.

- Perdão, Senhorita Ellara - ela pigarreia - Aqui quem fala é a doutora Elke Schulze do Marienhospital. Estou te ligando para falar sobre seu irmão, Ronan Turner. 

SaturnoOnde histórias criam vida. Descubra agora