Capítulo 10

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Há cerca de três meses, Phoebe viajou para a Alemanha juntamente com a prima Portia para visitarem a avó, que aparentemente está muito doente. Com frequência temos nos correspondido por carta, contando sobre pequenos detalhes de nossa rotina. Ela diz que o céu na fazenda dos avós em Black Forest, uma região próxima a Stuttgart, é a coisa mais linda que já viu. 

"Querido Leon, 

Não acredito que possa haver no mundo algo mais belo que este céu estrelado acima de minha cabeça. Na cidade, a fumaça das chaminés das indústrias e a iluminação artificial nos impedem de ver tanta beleza.  Mas aqui, quando a noite cai, os pontinhos brilhantes acendem no céu e é como se meu coração se acendesse junto com eles. Você pode imaginar como me encontro em êxtase, querido amigo. 

Gostaria tanto que você estivesse aqui para que eu pudesse lhe mostrar a constelação de leão. A localizei no céu na noite passada e esse pequeno detalhe me fez lembrar de você. Porque, bem, se eu tenho nome de lua, você tem nome de constelação, senhor Hayes. Não é maravilhoso que estejamos ambos para sempre presos no firmamento? 

Atenciosamente,
Phoebe Mann."

Em outra carta, Phoebe diz que sua prima a vem interrogando com frequência sobre seu desejo de se mudar para os EUA para estudar em Harvard. 

"Meu caro Leon, 

Portia tem sido extremamente inconveniente em seus questionamentos. Ela parece querer sondar cada um dos meus planos, que nem ao menos lhe dizem respeito, devemos concordar. Apesar de ser sobrinha de minha mãe, ela não faz parte dos Mann, ela é uma Krauze. E como o dinheiro e o nome desta família são mantidos pelos Mann, eu não acredito que ela devesse opinar sobre como meu desejo de ir para a universidade pode manchar o nome da nossa família. 

É verdade, no entanto, que meu pai ajudou na criação de Portia e ela sempre esteve presente em minha vida, como uma irmã. Por isso procuro ser gentil, porém sem lhe contar muito sobre meus planos. Esse exercício mental de vigiar minhas palavras é bastante cansativo e, às vezes, no fim do dia sinto minha mente esgotada. 

Afora esses detalhes, minha estadia em Black Forest tem me feito muito bem. É uma pena, entretanto, que o telefone não tenha chegado aqui ainda. Adoraria conversar com você sobre minhas pequenas descobertas diárias. Nossas conversas sempre me trazem um pouco de luz sobre meus próprios pensamentos e acredito que elas lhe tragam o mesmo benefício, meu caro. 

Por favor, não deixe de me escrever contando-me tudo sobre seus dias, seu trabalho, os livros que anda lendo e os preparativos para seu casamento. Embora deste último talvez eu não deseje saber tanto. 

Com amor, 

Phoebe Mann"

Essa carta, em especial, me deixou bastante preocupado sobre a situação de Phoebe. Ela não parecia enxergar maldade nas pessoas, muito menos na prima que fora criada como irmã, mas Portia nunca me pareceu uma pessoa confiável nas poucas vezes em que a vi. É claro que se tratavam apenas de impressões da minha parte e Phoebe talvez estivesse em melhor posição de julgá-la, mas me preocupava a ideia de que algo pudesse atrapalhar os planos de Phoebe para convencer o pai sobre seu futuro na academia. 

Com o tempo, eu e Phoebe havíamos desenvolvido uma espécie de amizade cúmplice. Ela conhecia todos os meus segredos, alguns que eu muitas vezes escondia de mim mesmo. Ela sabia do meu desejo secreto de estudar literatura, o qual eu havia repreendido para cursar administração. Sabia do compromisso que eu havia assumido com relação a Margery. E, em troca, ela também me contava seus pensamentos. 

Após três meses nos correspondendo por carta, eu me sentia mais próximo dela do que já me sentira de qualquer outra pessoa. 

A proximidade de meu casamento com Margery, no entanto, parecia impor pequenos desafios na minha amizade com Phoebe. Minha noiva passava cada vez mais tempo na casa dos meus pais e, por isso, muitas vezes eu precisava esconder as cartas de Phoebe em algum lugar onde ela não pudesse encontrar. Embora o conteúdo das cartas não fosse romântico de forma alguma, havia algo em meu coração que batia por Phoebe de uma forma diferente, eu a desejava mesmo sem nunca ter posto isto em palavras e, de alguma maneira, a ideia de Margery lendo essas cartas me incomodava. 

Em uma quarta-feira especialmente cinzenta, um criado entrou em meu escritório entregando-me um bilhete. 

- Senhor Hayes, pediram para que eu lhe entregasse isto. 

- Muito obrigado, Cameron, pode se retirar. 

Ele fez um cumprimento respeitoso e deixou a sala. Abri o pequeno envelope e encontrei um bilhete na caligrafia de Phoebe: 

"Caro Leon, 

Estou de volta e tenho notícias urgentes. Poderíamos nos encontrar? Preciso falar sobre isso pessoalmente com um amigo. 

Phoebe"

E abaixo um horário e endereço para eu encontrá-la. 

Conferi meu relógio de pulso, faltavam apenas trinta minutos para o horário que Phoebe havia marcado. Ajeitei os documentos que eu estudava e os guardei no arquivo, antes de pegar meu chapéu e sair ao encontro de Phoebe. 

Eu ansiava por vê-la e seu bilhete apenas servira para me deixar mais ansioso e preocupado com ela. Ao chegar ao endereço combinado, toco a campainha e Phoebe logo me atende. Ela observa a rua nervosamente antes de me puxar para dentro sem me cumprimentar. 

- Me desculpe - ela diz passando a mão pelos cabelos e andando de um lado para o outro. 

Seu rosto delicado parece aflito e seus olhos verdes antes sempre enérgicos aparentam ter envelhecido duzentos anos. 

- O que está acontecendo? - pergunto de repente assustado. 

Eu estava tão desesperado por vê-la, sonhando em poder abraçá-la e agora ela estava ali na minha frente e não conseguia parar de andar e sacudir a cabeça. 

- Phoebe! - eu elevo minha voz tentando trazê-la de volta a realidade. 

Ela para e me olha como se só agora tivesse percebido que estou ali. Então cruza a distância entre nós e me abraça. Eu a seguro em meus braços e percebo que ela está tremendo. Acaricio seus cabelos escuros sempre perfeitamente arrumados, mesmo agora. 

- Phoebe... o que aconteceu? Está assim pela sua avó? 

Ela se afasta do abraço e sussurra. 

- Não. Sofri pela sua morte, é claro, mas não é isso o que está acontecendo. 

- Por Deus, então o que é? Você está acabando comigo. 

Ela olha para as mãos, que aperta uma na outra. 

- Leon, meu pai disse que bancaria meus estudos. 

Arregalo os olhos. 

- Mas isso não é uma notícia boa? 

- Não, não é! - ela se afasta em direção a um armário de vidro, pega dois copos e serve um pouco de uísque para si e para mim. - Ele impôs uma condição para isso. 

- Qual condição? - pergunto me aproximando e pegando um dos copos. 

- Eu preciso me casar, Leon. E precisa ser com alguém que possa gerir os negócios da família em meu nome.

Estou olhando para ela tentando entender a profundidade do problema, então ela prossegue:

- Mas quando eu me casar, Leon, minha independência estará nas mãos do meu marido. E como eu posso ter certeza de que ele também não me impedirá de estudar? 

E agora eu entendo o porquê de ela estar tão nervosa, tremendo até. Ela toma um gole do uísque e volta a andar de um lado para o outro. Estou estudando a ponta dos meus sapatos, tentando encontrar as palavras certas e não parece haver nada mais certo do que o que meu coração está me implorando. De repente minhas mãos começam a suar frio e estou quase tão nervoso quanto Phoebe quando digo:

- Case-se comigo. 


SaturnoOnde histórias criam vida. Descubra agora