Saturno

Capítulo 2

Mais uma vez estou caindo, infinitamente. Tateando a escuridão em busca de algo a que me agarrar e encontrando apenas o vazio.

Acordo com o barulho irritante do despertador ao meu lado. Outra vez com a garganta seca e suando frio pelo mesmo sonho que tem me atormentado nos últimos dias. 

Eu preciso tanto falar sobre isso com alguém. Busco meu celular e procuro o contato de Ronan.

"Ei, queria falar contigo" 

E envio a mensagem para meu irmão, mesmo sabendo que ainda é madrugada onde ele está. 

Conforme o dia passa, sinto-me extremamente cansada pela noite mal dormida. De repente a ideia da festa me parece péssima, só gostaria de deitar na minha cama e ter uma noite de sono tranquila. Mas Olívia está me mandando diversas fotos e me perguntando qual blusa ela deveria usar com o meu shorts branco e eu passeio por elas sem saber ao certo qual ficaria melhor, pois minha amiga fica bem com todas. Forço-me a ficar animada, talvez eu devesse comprar um energético. É a primeira festa do semestre e eu, Olívia e Dan sempre vamos juntos a pelo menos essa festa. 

Dan é um ano mais velho que nós. Eu o conheço há bastante tempo porque ele e meu irmão eram grandes amigos na época que estudaram juntos no colégio interno de meninos. Ele é uma dessas pessoas que parece carregar o sol dentro de si, sempre radiante e positivo. A energia dele é contagiante. Mas nem sempre foi assim. Dan se assumiu gay há alguns anos e todo o processo foi bastante difícil para ele, lidar com os preconceitos de uma família absurdamente conservadora, não tão diferente da minha. Porém, com o tempo, embora o pai ainda costumasse tratá-lo de maneira ofensiva, a mãe dele passou a aceitá-lo e isso foi fundamental para que Dan se sentisse mais confiante. O que permitiu que o lado maravilhoso da personalidade dele ficasse cada vez mais expressivo. 

A energia de Olívia, por outro lado, é um pouco diferente. Embora ela seja uma das pessoas mais animadas e dispostas que conheço, há algo de não natural em toda essa energia. Mas, como ela nunca se abriu o suficiente para me contar o que a incomoda, não faço muita ideia do real motivo de seu bom humor me sugerir que, por baixo de tudo isso, ela não está tão feliz. De certa forma, manter nossa amizade na superfície nos tornou grandes amigas, cada uma com seu segredo e seus problemas pessoais, que, ainda que não falemos sobre eles uma para a outra, não nos impedem de compartilhar bons momentos juntas. 

Às 19h, Olívia bate na minha porta usando uma camisa preta de renda e botas altas, além do meu shorts branco que emprestei a ela hoje de manhã.  

- Adorei a escolha - digo, porque ela está realmente bonita. Sua pele bronzeada de sol contrasta belamente com a cor do shorts e os cabelos lisos tingidos de ruivo formam uma linda moldura para o seu rosto pequeno. 

- Obrigada, apesar de você não ter ajudado em nada - ela ri e se senta na minha cama, colocando uma música agitada no celular. - E por que exatamente você ainda está de pijama?

Porque estou morrendo de sono e adoraria passar a noite na companhia do meu travesseiro. Penso, mas não digo, apenas dou de ombros e falo que não sei o que vestir, embora eu nem tenha pensado sobre. 

- Hummm - Olívia se levanta num salto e vai até meu guarda-roupa - Você sabe que adoro todas suas roupinhas, né? Como que eu posso escolher uma? - ela diz segurando um macaquinho de mangas longas bufantes.

- Posso usar esse aí mesmo. 

- Não! Muito formal! 

Caminho até o banheiro para passar um pouco de rímel, enquanto Olívia continua estudando minhas roupas tentando decidir o que eu deveria usar. Não sou uma grande fã de maquiagem, mas meus olhos estão pequenos por causa do cansaço e o rímel ajuda a melhorar um pouco sua aparência.