"Um acidente acaba de acontecer entre dois caminhões na rua Al Mamaliek, houve tombamento de cargas."
Anunciavam os rádios comunicadores sobre a mesa tão gasta e com aparência de abandono dentro do posto de comando que controlava a cidade dos mortos, milicianos e traficantes locais se dividiam entre aqueles cubículos imundos. A mensagem emitida havia chamado a atenção da maioria deles, que se aglomerou rente a mesa, tentando ouvir mais dos avisos que seus subordinados emitiam do perímetro daquele cemitério a céu aberto que abrigava milhares de famílias em estado precário.
Dali a 800 metros de distância o odor de combustível se tornava cada segundo mais desagradável saindo do tanque estourado do caminhão baú e se misturava com a terra, recebendo a desejada atenção de quem havia ouvido aquele barulho de colisão no meio do que supostamente seria mais uma das monótonas e difíceis noites em suas vidas em meio a tanta dificuldade.
Eram dois caminhões baú lotados de carga de alimentos e água, parecia uma coincidência tremenda e única. Ambos os motoristas saíram apressados, se esgueirando pelos veículos com pressa, sentindo o corte superficial nas palmas por causa de vidro estilhaçado, nada tão grave a ponto de não se entreolharem pesarosamente satisfeitos. Suas faces eram cobertas por lenços de má qualidade, finos e quase descartáveis, não aparentavam pompa ou terem vindo de alguma elite local, pareciam sim ao máximo como transportadores de carga, e era o que induziram a parecer.
Olhando à distância se aproximaram de um comércio precário, se entreolharam quando por fim puderam ouvir a comoção local de pessoas saindo de suas criptas, havia uma pitada mórbida e não gloriosa no ato, se esgueiravam além do desespero quando ouviam o que seus entes falavam...
"Outra batida de caminhão na mesma semana..."
As mães agradeciam a Allah que tivesse sendo tão digno naqueles trajetos perdidos onde comida parecia cair dos céus em seus braços, não sabiam de fato a quem atribuir tamanhas bênçãos se não a Allah. Havia o prelúdio do desespero e dos corpos se aglomerando ao puxar as portas dos fundos do caminhão, os homens se aventuravam e romper e distribuir as cargas, enquanto as mulheres recebiam estas esperançosas pelo o que alimentaria suas famílias dias adentro.
Ambos os motoristas que se acidentaram ainda olhavam ao aglomerado de desesperos com o sentimento de dever cumprido, seus olhos brilhando satisfeitos quando viam que conseguiam romper as portas dos caminhões e tirar tudo o que precisavam para comer naquela semana. Um deles se curvou apoiando o joelho sobre a terra, fingindo sentir dor, puxando um celular modesto do bolso da calça, apertando os dedos fingidamente nas têmporas, suas mãos livres e sujas de sangue pelos arranhões de seu falso acidente, exibiam assustadoras cicatrizes que carregavam consigo histórias de arrepiar, tocou distraidamente no lenço sobre o rosto, afagando de tal maneira que sentia seu cavanhaque incomodar contra o tecido.
A quem fosse destinada sua ligação demorou dois toques longos até que obtivesse resposta.
— Sim? - A emissão cheia de exclamações silenciosas vindo do tom modificado e robotizado de voz que o atendeu o fez se agitar, a premissa era que não reconhecessem quem atendia suas ligações assim que executavam o trabalho.
— Sua entrega foi feita. - Avisou baixo, ainda notando o povo tirar toda a carga para o que chamavam de casa naquele cemitério miserável.
Era uma entrega especial para eles, só não podiam saber que de fato era proposital.
— Bom trabalho, retornem de imediato. - A ordenação foi única e indiretamente inspiradora, o homem desligou o celular depressa, o deixando cair ao chão tão rápido quanto seu movimento ao pisar sobre ele com determinada força e despedaçar em milhares de pedaços. Seu próximo movimento foi liderar em silêncio seus caminhos pelas ruas escuras daquele cemitério.
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Karila Aistarabaw
FanfictionRecém viúva, a monarca egípcia perseguida e endinheirada Karila Aistarabaw I sustentava títulos expressivos dentro do Oriente. Com influência e um passado tão recente perturbador e desolador, a poderosa princesa egípcia se tornou uma impiedosa perse...