Presos (parte 1)

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Médica em uma penitenciária.

"Você ficou louca", era só o que Madá ouvia do ex-marido, o renomado cirurgião plástico Ruan Pontes.

"Louca eu estava quando me casei com você", era o que Madá tinha vontade de responder, mas não queria entrar em mais brigas. Já bastavam as que tinha aturado em sete anos de um casamento fracassado.

O salário era bom. O trabalho tinha adrenalina. Tripas. Sangue. Facadas. Procedimentos de emergência. Enquanto Ruan Pontes tinha prazer em consertar peitos de madames, Madá tinha prazer em ver o circo pegando fogo para que ela pudesse apagar.

O que Madá não imaginava é que o fogo estava prestes a queimá-la.

— Bom dia, Clarinha. — cumprimentou a técnica de enfermagem tagarela — Alguma alteração?

— Nada demais por enquanto. Só um preso que tomou um viagra clandestino antes da visita íntima e chegou aqui com o pau na testa, prestes a ter um infarto.

— Droga. Essas coisas divertidas só acontecem quando estou fora do turno.

— Pra sorte dele, né, Madá? Imagina se ele chega naquele estado aqui e dá de cara com ninguém menos que você na frente dele?

Madá riu. Ela tinha espelho em casa. Em sete anos, soube se aproveitar na medida certa do fato de ter se casado com um cirurgião plástico.

— Qual o status do paciente 3? — ajeitou o jaleco depois de prender seus fios loiros no alto da cabeça.

— Nada demais — Clarinha estendeu o prontuário. — Queimaduras e dor controladas. Vai sobreviver para matar mais uns 5. Me diz, Madá, que tipo de loucas nós somos para salvar a vida de bandidos?

— São vidas, Clarinha. Isso que importa.

— Eu acho que somos sádicas. Você, por exemplo, largou aquele bonitão do Ruan Pontes. Eu vivia vendo vocês nas revistas. Só uma sádica dispensa o homem que pode consertar seus peitos de graça pelo resto da vida.

— Gay — Madá arqueou as sobrancelhas enquanto trocava os saltos pelos sapatos brancos.

— O quê? — Clarinha jogou a cabeça para frente sem acreditar.

— Usava as minhas calcinhas. Não era para eu estar te contando essas intimidades, mas aproveitando que ele me irritou demais hoje com essa história de divisão de bens, acho que ele mereceu. Agora vamos lá, Clarinha, chega de conversa mole. Ao trabalho, anda.

— Suas calcinhas, é? — Clarinha ainda não havia desistido.

— Clarinha — Madá falou mais autoritária dessa vez.

— Tá bom, tá bom. Não pergunto mais. Pelo menos não hoje — ela riu e Madá foi obrigada a rir também.

Mas a invasão abrupta na enfermaria fez as duas darem um pulo.

— Facada — dois vigilantes gritaram ao entrar na sala segurando um homem forte e com o tronco tatuado até o pescoço. No meio dos desenhos na pele, o cabo de um facão branco reinava, enterrado na barriga que jorrava sangue.

— Deita ele aqui — Madá puxou a maca, esbaforida. — Clarinha, chama a ambulância, vamos ter que transferir. Vocês dois podem ir — olhou para os vigilantes. — Controlem os presos porque não temos estrutura pra outro ferido grave.

Enquanto pressionava ao redor do ferimento na barriga musculosa, sentiu a mão forte do detento agarrando seu braço, fazendo com que ela o encarasse assustada.

— Não — ele urrou com os dentes trincados. — Não me transfere — ele fazia uma força descomunal para falar. — Vão me matar lá fora. É um plano — tentou manter os olhos abertos. — Eu sou pai — foi seu último sussurro antes de apagar.

Prazer, CupidoOnde histórias criam vida. Descubra agora