O café do Guten Morgen era o mais perto de energia que a pacata Pomerode poderia oferecer à Samantha Köhler. O município mais alemão do Brasil era o sonho de qualquer casal aposentado, mas para alguém com fogo nas ventas como ela, o lugar era um martírio. Ter deixado escapar a chance de estudar em outro país e ter que passar mais um ano ali tinha para Sam um gosto tão amargo quanto o do expresso que descia agora pela sua garganta. Bom, ao menos ainda podia contemplar as montanhas, como as que observava ao longe, se acomodando na varanda rústica da lanchonete.
— Você pode trocar de corpo comigo por um dia? — Margarida puxou a cadeira para se sentar.
— O que eu ganho com isso?
— Você eu não sei, mas eu conseguiria dormir de bruços.
— E eu não enxergaria minhas partes íntimas quando olhasse pra baixo.
— Mas você ficaria com peitões.
— Eu já tenho peitões.
— Verdade. Que saco.
Sam sorriu e balançou a cabeça. Sua melhor amiga estava impagável na versão grávida.
— Como está a loja da sua mãe?
— Nunca achei que fosse enjoar só de olhar para um chocolate.
— O errinho é fresco igual a você — era assim que Sam chamava carinhosamente o neném de Margarida.
— E comilão — Marga fez sinal para Ane, a garçonete do Guten Morgen que beirava a idade delas. — Traz aquele completo, Ane, por favor. Estou faminta!
Margarida roubou um dos pães de queijo do prato de Sam e jogou na boca antes de voltar a falar:
— E você, como está? Não te vejo desde que cheguei da viagem do enxoval.
— O de sempre. Entediada — Sam encarou a paisagem.
— Ah, qual é, Sam? Não tá assim por causa do Lucca ainda, né?
— Isso é passado.
— Então o que há? Você tá pra baixo.
— Não caibo mais aqui, Marga. Você sabe, nunca coube. Eu preciso de agitação, de álcool, sexo casual. Não é possível que esta cidade seja sempre a mesma coisa.
— Você sabe que da última vez que pensei assim engravidei de um turista, né?
Sam sorriu e meneou a cabeça. Que azar o de Marga. O homem tinha sumido no mapa.
— Era para eu estar em outro momento agora, entende? Não consigo me perdoar por não ter passado naqueles testes. Até o Lucca conseguiu um rumo na vida e eu não.
— Pode parando de se comparar com o traste. Ele não estava tentando fazer Arquitetura no MIT¹.
— Que diferença faz? A essa altura ele está lá, comendo calouras de Publicidade no Rio de Janeiro, enquanto eu tô aqui rabiscando casinhas nos guardanapos do Guten Morgen.
— Seu pai já te disse que você pode trabalhar na recepção do Centro Cultural de Música. Por que você não vai?
— Não tenho a menor paciência para aquelas crianças. Com todo respeito — Sam olhou para a barriga de Margarida, como se o bebê pudesse ouvir.
— Seria uma distração até começarem as provas.
A amiga estendeu a mão para roubar o terceiro pão.
— Misericórdia, Margarida!
— Desculpa. Meu pedido tá demorando, ué.
— Não tô falando do pão, garota.
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Prazer, Cupido
Short Story[CONTOS +18] Eu não sou um cupido tradicional. Eu flecho pessoas incompatíveis à primeira vista simplesmente porque eu gosto do caos. É divertido ver as peripécias que vocês fazem por causa de sexo. E eu acho engraçado quando acabam se amando no fin...