Só queria te ver

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Eva estava pagando um preço terrível por nunca ter sabido fingir que era santa. Sua mãe dizia que ela precisava se fazer de difícil com os homens. Ah, pronto. Primeiro a falecida a batizava como Eva e depois dizia que ela não podia pecar?

Eva não sabia se acreditava em signos, mas alguém uma vez disse que ela era assim por ser de escorpião. Adorou a justificativa e passou a usar. Dava menos trabalho na hora de explicar pros homens porque ela nunca seria de um só.

Gostava de sexo, simples assim. Era uma faminta desde a adolescência e foi a primeira das suas amigas a perder a virgindade. Sua beleza inquestionável sempre fez com que tivesse os homens que queria e não demorou para constar, em poucos anos, quase o bairro inteiro na sua lista de casos.

Aos 25, entretanto, tudo que havia restado era a solidão. Todas as suas amigas haviam se casado com homens machistas, que as convenceram a se afastar sorrateiramente dela. Nenhum deles queria as suas mulheres andando com a "piranha da Eva". Se suas amigas soubessem que todos eles tentaram comê-la e foram recusados, talvez tivessem mais um pouco de consideração.

Ainda morava no mesmo bairro pobre da periferia e todos os homens só sabiam se referir a ela como uma mulher fácil. Nunca teve um namorado. Ela não era para namorar, eles diziam. Eva concordava, mas não pelo mesmo motivo. Eles achavam que ela não era boa o suficiente. Já Eva sabia que era boa demais para viver à sombra de homens medíocres.

Antes, ainda se divertia com o gerente do banco, com seu professor da academia ou com o gringo que vinha visitar a irmã, sua vizinha, de seis em seis meses. Mas tudo mudou quando um nudes seu vazou, passando pelo WhatsApp do bairro inteiro.

Não tinha nem a quem acusar. Aquela era uma foto padrão que mandava para os três. Não era todo dia que estava com paciência para encontrar o melhor ângulo da própria boceta. Mas a tatuagem no braço inteiro a entregou. Como não se ligou nesse detalhe?

Amadorapraguejava a si mesma.

Algo em Eva morreu nesse dia. O fato de gostar de sexo em nada tinha a ver com a dor de ser invadida e exposta dessa forma, tendo que ouvir o padeiro comentando sobre suas entranhas com o homem que cortava mortadela.

Estava agora desacreditada das pessoas e do sexo oposto. Há tempos não dava chance para que ninguém se aproximasse dela. Morava em uma quitinete caindo aos pedaços, sozinha com uma vira-latas que achou na rua e trabalhava mais de 9 horas por dia em uma loja de roupas no shopping central.

Bom, essa era a vida de Eva até eu, o cupido, decidir que ela precisava de um pouco de justiça.

Além do seu fiel vibrador rabbit, Eva encontrava prazer em um velho hábito: ler. À noite, depois do trabalho, sempre ia até a biblioteca pública. Escolhia um livro na estante, sentia o cheiro único das páginas velhas e lia até quase perder o último ônibus para casa, o que sempre acontecia quando uma obra envolvente lhe tirava a noção do tempo.

Aquele era um desses dias. Tinha encontrado um romance que a fez devorar mais de 100 páginas feito uma viciada. Quando olhou no relógio, faltavam 15 minutos para a biblioteca fechar e o último ônibus passar. Se perdesse a condução, o outro só passaria depois de uma hora.

—  Droga! —  exclamou alto demais, mas não foi repreendida, já que não havia ninguém no local.

Até a bibliotecária Suzy havia desaparecido, o que era estranho porque a senhora rabugenta sempre estava ali para expulsá-la quando estava perto de encerrar o expediente.

Saiu catando sua bolsa, jogando as alças sobre os ombros, afobada. Colocou o livro no lugar e desatou a correr, mas quando atravessou desesperada a porta de vidro e alcançou o corredor, seu corpo se chocou contra um peito forte. Olhou para cima e encarou o homem alto com músculos desenhados em uma camisa social azul e com dois botões abertos. Jesus!

Prazer, CupidoOnde histórias criam vida. Descubra agora