Capítulo 5

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Os dias foram passando, sem nenhuma novidade. Erínea tranquilizou-se. Ei-la novamente em seu castelo encantado.

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Lutero resolveu enfrentar a cara feira de Dona Amélia. Os dois se encontravam a cada fim de semana, ora na praia, ora em sua casa. Estava para completar um ano que se conheceram.

Era setembro.

Fazia calor intenso. Sentados no tapete, Lutero e Erínea tomavam refrigerante, enquanto ouviam os clássicos. Uma orquestra fabulosa. Em dado momento, um solo de flauta.

    - Sou louvo por flauta.

    - Por que não toca?

    - Porque não sei, evidentemente.

    - E por que não aprende?

A voz de Lutero era triste e o seu rosto se fechou.

    - Acho que o melhor tempo para se aprender qualquer coisa é quando se é criança. Infelizmente, não tive oportunidade. Perdi meu pai muito cedo e tudo ficou difícil. Tive uma infância sofrida. Comecei a trabalhar ainda pequeno. O tempo foi passando, passando, e o meu sonho foi se perdendo.

    - Mas nunca é tarde demais para se aprender coisa alguma.

    - Será que ainda tenho chance?

    - Claro que tem...

    - Na família de meu pai, em Minas, todo mundo toca. É piano, violão, flauta, gaita, uma porção de instrumentos.

    - Então?

    - Sabe que vou tentar?...

    - Aposto que logo você será o maior flautista da paróquia.

    - Você fala com tanta segurança que vou acabar acreditando. 

    - É o poder do pensamento positivo. Eu creio em você. Por exemplo, o mar. Cadê aquele medo? Hoje você dá até uns mergulhinhos, esqueceu?

    - Com você ao meu lado, é lógico. Ainda não sei se vou enfrentar o mar sem você. O seu bom humor, a sua paciência me ajudaram a vencer aquela fobia. Sou-lhe muito grato. Você é incrível, sabia? Às vezes fico imaginando, uma menina como você, criada cheia de mimos, no entanto, se mostra tão segura, adulta, diferente destas dondoquinhas que conheço por aqui. Tenho recebido a maior força. Você me inspira uma certa confiança. Sabe, vou-lhe confessar uma coisa: Estou apaixonado, terrivelmente apaixonado por você.

    - Eu também.

    - Você me ama?

    - Muito.

Erínea acariciou os cabelos do namorado.

    - Não sei o que seria de mim aqui no Rio sem você.

    - Está exagerando, meu amor...

    - Não. É a pura verdade.

Três meses depois, a mocinha acordou de madrugada, com o som de uma serenata ao toque de flauta. Lutero tocava o "Sonho de Amor", uma peça de Liszt, cujos acordes nunca mais sairiam da mente e do coração de Erínea.

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A noviça abraçou o travesseiro. Olhos inchados, ardidos, beijava o anel muitas vezes. Tê-lo, era sentir o próprio Lutero com ela.

Foi um dia chuvoso.

Erínea não precisou regar as flores, o que a fez aborrecer-se. Da grande janela do casarão, pôs-se a contemplar as grossas gotas que caíam lá fora, no piso rústico do pátio.

Erínea lembrou-se dos tempos de criança. Gostava de ver a chuva formar soldadinhos no chão, quando os pingos se batiam e se levantavam engraçados. Seu irmão lhe preparava uma coleção de barquinhos coloridos de papel, os quais eram soltos rua abaixo.

    - Será que vão parar no mar?

    - Pode ser...

Joel fez para Erínea um barco maior, de papelão duro e impermeável.

    - Este sim, este vai parar no mar. Lá, existe uma princesa loira que mora num castelo. Ela vai entrar no barquinho, vai dar uma volta pelo mundo...

Irmã Celestina, sempre solidária, colocou-se ao lado da noviça sonhadora.

    - Chorando, Erínea?

    - Lembrando a infância. Irmã, a senhora recorda alguma fase de sua vida em que inventava contos de princesas?

    - Oh, sim, e como inventava!...

A freira contou de uma princesa que tinha se transformado em um sapo que morava numa ilha distante. Os súditos foram incumbidos de descobrir algum produto, a fim de torná-la humana novamente, para se casar com um príncipe encantado de um país vizinho. Decorrido o prazo, cada qual apareceu com as mãos carregadas. Uns traziam flores brilhantes, outros frutas encantadas ou mel especial. E nada... O dia do casamento chegou, o príncipe estava a espera, os pais queriam cancelar o casamento. Mas a mãe, com seu amor infinito, deu um beijinho na sua filha, como prova de seu amor por ela. Ela então se tornou humana novamente, com um beijo de amor verdadeiro, o amor materno, e assim, a princezinha pôde se casar com seu príncipe. E viveram felizes para sempre!

    - Muito bonito, irmã. Sua imaginação é bem fértil!

    - É que, uma simpática professora leu uma histórinha parecida para mim quando eu era criança, e quis mudar um pouquinho! Mas e você irmã, casaria com um príncipe encantado?

    - Talvez, mas, meu namorado não era nenhum príncipe...

A moça pôs as mãos na boca, como se houvesse pronunciado qualquer sentença indigna.

    - Não fique assim, querida. Eu também já amei na vida. E amar não é pecado.

    - E como era o seu namorado?

    - Era um jogador de futebol.

    - Como o Pelé?

    - Não tanto famoso.

    - E aí?

    - Não deu certo. Minha mãe, super preconceituosa tanto por ser negro, como pela profissão, não aceitou. No meu tempo, as moças não contrariavam os pais.

    - Ah, estas velhas...

Então, Erínea se jogou nos braços da freira. Desta vez, o pranto foi copioso, como as grossas chuvas que caíam lá fora.

A Noviça SonhadoraOnde histórias criam vida. Descubra agora