Capítulo 4

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Lutero ia ver Erínea todos os sábados. Aparecia sempre com um LP debaixo do braço. De preferência as valsas de Strauss.

    - Se sua mãe não fosse tão cafona, a gente podia dançar.

    - Não fale assim, coitadinha...

    - Desculpe. Não quis ofendê-la.

    - Espere.

A mocinha foi até a copa. Deu uma espiada.

    - Ela está fazendo biscoitos na cozinha. Vamos aproveitar? Tire os sapatos, para não fazer barulho. Pronto?

    - Que legal!

    - Você dança muito bem, Lutero.

    - Já trabalhei num teatro. No início era um simples empregadinho. Transportava os instrumentos, ajudava na montagem do palco, fazia qualquer coisa, até a limpeza do camarim. Fui me entrosando com a turma e acabei virando artista. Fiz comédias, dancei, uma profissãozinha à toa. Mas, na época, achei que foi o fino.

    - Tinha fama?

    - Fama é o que não faltava. E as fãs?... Era um tal de pedir autógrafos que você nem imagina. Isto parecia até gratificante para quem não tinha nada.

    - Posso imaginar.

    - Sabe qual o meu nome artístico?

    - Qual?

    - Carlitos.

    - Já sei. Você se inspirou naquele cômico das comédias norte-americanas?

    - Acertou.

A valsa durou pouco. Dona Amélia, com seu instinto maternal, desconfiou,

    - Parem com esta dança, seus malandros! Nenê, vá pro seu quarto, vamos ter uma conversinha.

    - Nenê?

É o meu apelido, bobinho.

    - Desculpe, Dona Amélia. Prometo que isto não vai se repetir mais, nunca mais.

    - Fui eu mãezinha. Insisti com ele. Queria aprender a valsar, é tão bonito...

Lutero foi embora chateado.

****

O telefone do apartamento tocou. Era Erínea. Falava da casa de sua amiga Maristela. Já fazia mais de um mês que ela e Lutero não se viam.

    - Estou morrendo de saudades.

    - É mesmo?

    - Por favor, venha me ver.

    - Não Erínea, acho melhor a gente não se falar mais. A velha enche sabe... Vamos esquecer a nossa amizade.

    - Está louco cara? Olhe, estou aqui na vizinha. Venha agora tá?

    - Tá bem, eu vou.

Meia hora depois, os dois conversavam felizes.

    - Por que a gente não curte uma praia?

    - Vou lhe confessar uma coisa Erínea. Não sei se você vai entender.

    - Fale.

    - Não tomo banho de mar. Não gosto. Sou arredio ao mar.

    - Eu entendo. Isso é psicológico. Chama-se talassofobia, ou, medo do mar.

A Noviça SonhadoraOnde histórias criam vida. Descubra agora